Jéssica Pina

Jéssica Pina

Interview by Patrícia Domingues

Photography Francisco Narciso

Styling Larissa Marinho

Jéssica Pina soa diferente. No trompete ela canta. Na voz ela interioriza. No agora ela invoca a ancestralidade. Encontramo-nos com a instrumentista e cantora no verão tardio de outubro num dos seus locais preferidos, o Parque das Nações, para falar sobre o começo, a tour com a Madonna, o que dizem as suas letras e como lhe toca o futuro.

SOLO - Porquê o Parque das Nações? O que mais gostas aqui?

 

Jéssica Pina - Eu não sei muito bem explicar, mas talvez tenha a ver com o facto de estar ao pé do rio e eu ter crescido no Alentejo, numa cidade pequena e ao pé do rio. E se calhar toda esta natureza que me faça lembrar um bocadinho de casa. E deve ser por isso que eu gosto de vir para aqui. Gosto de vir para aqui em dias em que estou mais inspirada ou que estou mais triste, ou em que me apetece fazer uma caminhada. Gosto de estar aqui. 

S - Alentejo, Alcácer, não é? Como foi a tua infância? Como foi crescer lá?


JP - Gostei muito. Embora seja uma terra um bocadinho mais pequena, mas isso tem as suas coisas (muito) boas. As pessoas conhecem-se todas, somos sempre acarinhados por toda a gente. Acontece alguma coisa e é como se fôssemos todos uma família gigante. E por isso gostei muito. Mesmo na área da música, foi bom para mim para me desenvolver. Sentir esse apoio das pessoas fez-me crescer. Acho que foi uma base e um pilar muito importante para mim Alcácer. 


S - Sentes que lá te faltou alguma referência musical? Tinhas espaços culturais, havia uma mentalidade aberta? 


JP - Claro que não é igual a quando alguém está em Lisboa. Até pela mistura de culturas que se encontra muito em Lisboa. A mentalidade é outra, é muito mais aberta. No entanto, acho que isso também foi bom e que, se calhar, me diferenciou de outras pessoas e de outros instrumentistas. O facto de eu ter começado na música num meio muito pequeno onde eu acabava por ser muito inocente em relação a quase tudo. 


S - Costumas dizer que foi o trompete que te escolheu a ti. Por que é que dizes isto? 


JP - Porque na altura, nas filarmónicas, o instrumento que se dá às crianças para estudar é também de acordo com as necessidades da própria banda. E, na altura, o instrumento que me foi dado foi um clarinete. E eu estava com outra colega minha e ela já estava a começar a avançar e eu estava sempre no zero. Não passava dali. Então, passei para outro e para outro e quando cheguei ao trompete foi uma coisa muito automática. Tirei som à primeira e houve assim uma ligação muito imediata. Então o professor na altura disse “ficou este, não mexe mais!”. Parece mesmo que foi ele que disse “fica aqui”. 

S - Os teus pais, em casa, não ouviam muito Jazz. Mas ouviam outras músicas?


JP - Sim, a minha influência foi mais a música africana. Pelo pai, desde Cabo-Verde, Angola, música africana foi o que eu ouvi mais em criança. E depois na filarmónica, desde música popular portuguesa a alguns temas internacionais, até Pop. 

S - Apesar de o teu estilo musical não ser africano, já te ouvi dizer, em algumas entrevistas, que é algo que se sente na tua musicalidade. 


JP - Sim, é inevitável. É impossível não se notar, é impossível não ter influência na minha música. Eu cresci com isso e é uma coisa que está no sangue. Basta começar a tocar uma música e parece que o corpo começa a mexer sozinho. Acho que é mesmo impossível, embora essa influência não seja demonstrada na minha forma de tocar, está na forma como me sinto, como acordo. 


S - Era uma coisa que, quando decidiste estudar música, era importante para ti? Querias que a tua música tivesse essa representatividade?


JP - Acho que sim. Quando fui para a música, não pensei muito nisso. Mas hoje, cada vez mais penso nisso, e tenho muito orgulho em, de certa forma, mostrar aquilo que sei fazer e representar não só as mulheres, mas também o povo afrodescendente que está em Portugal – e não só. As pessoas às vezes nem percebem muito bem o quanto consomem essa cultura. E o quanto é misturado com a nossa cultura. Quando se vai ver parece que sai tudo do mesmo pote, mas depois cada um tem um caminho diferente, mas a origem é toda a mesma. 


S - Então quando é que começaste a interessar-te por jazz? 


JP - Foi quando decidi que queria fazer da música a minha profissão e aí quase que tive, automaticamente de escolher um de dois caminhos. Não são caminhos muito retos, mas tens de escolher ou o Jazz ou o Clássico. Que são as duas áreas em que tu podes estudar. Eu escolhi o Jazz porque identifico-me muito mais e porque é no Jazz que aprendemos a improvisar. É no Jazz que se insere muito mais a cultura ‘World music’. E foi ali que eu aprendi as bases todas para esta forma de ver a música, improvisar, sentir.

S - Já conhecias a história do Jazz? Houve alguma coisa da história do Jazz que te tenha cativado particularmente? 


JP - Toda a origem, o facto de esta música ter surgido dos escravos e da mistura de culturas, da mistura de África com o resto do mundo para mim diz muito. De onde é que isto tudo vem e o quanto faz sentido. 

S - E percebeste logo, ou já tinhas intenção de seguir carreira nesta área? De isso ser o teu trabalho? 


JP - Sim, aí sim. 

S - Quando é que se deu o clique? 


JP - Foi quando acabei o secundário. Eu tinha boas notas e, às tantas, com as minhas amigas a escolher os cursos, eu também tinha assim dois cursos para os quais estava virada, mas ao mesmo tempo parecia que não me via a fazer aquilo o resto da vida. E, quando fechava os olhos, a única coisa que eu imaginava era o palco. Eu em cima do palco e a música. Lá está, por já ter experienciado em criança toda aquela adrenalina que é estar em cima de um palco. E ter o público, ter a reação do público, e ter inclusive, durante o processo da filarmónica, toda aquela responsabilidade na banda, isso criou um bichinho tão grande que eu só imaginava fazer aquilo o resto da vida.


S - Uma das coisas de que tu falas sobre a tua digressão com a Madonna - a MADAME X worldtour na qual foste convidada a participar - além de tudo o que houve de bom, é de alguma pressão. Houve uma frase que disseste, algo como sentires que tinhas de provar que merecias estar ali. É uma coisa que tu sentes ainda, agora que já houve progressão da tua carreira? 


JP - Essa pressão na verdade eu senti mais, muito mais, quando comecei a entrar no mundo da música, na família da música em Portugal. Ninguém me conhecia e era uma mulher trompetista e, aí sim, eu senti que para entrar naquele meio, para se abrir a porta para eu passar para o outro lado, eu tinha que realmente provar mais. 

S - Mais do que os homens? 


JP - Sim, sim! Tinha que ousar mais para dizerem “ok, ok, ela pode entrar”. Na tour, essa pressão foi mais mesmo pela responsabilidade de estar ao pé de quem estava. Porque de facto ela também nos deixou super à vontade para sermos nós próprios. Aquilo que nós fazemos na música na nossa vida, aquilo que nós sentimos, era para ser feito lá. Ela não pediu para ser ninguém mais para além de mim. 

S - Quantos anos tinhas nessa altura?


JP - Tinha 26,27. 


S - Sentiste que já tinhas alguma maturidade? 


JP - Sim, já tinha alguma maturidade, mas nunca comparada com aquilo que se passa naquele nível, porque em Portugal não temos aquele nível. A verdade é essa. Por muita experiência que eu já tenha nos palcos em Portugal, com artistas portugueses nada era aquele nível. Então, era tudo novo. Era toda uma realidade nova. A pressão aumentou por causa disso. Falhar, não queria falhar. 

S - Qual foi para ti o maior desafio? 


JP - A parte social da experiência, porque passei quase 1 ano – 9 meses – em que só lidei com as mesmas pessoas, tipo um Big Brother em que estamos fechados numa casa. Foram 9 meses em que estive muitas horas a ensaiar com as mesmas pessoas e depois não temos assim tanto tempo para estar fora daquela realidade. Termos de lidar com pessoas com as quais não nos identificamos, pessoas com quem na nossa vida normal não escolheríamos para estar ao lado. Não é que estivessem lá pessoas que fossem más pessoas, nada disso. São só pessoas diferentes com formas de ver a vida diferentes. 


S - E o que é que aprendeste? Como é que se lida? 


JP - Cada vez mais a respeitar o outro. E respeitar a forma como o outro vê. Não somos os únicos na Terra, na nossa bolha. O que nós pensamos não é sempre o está correto. 


S - Qual foi a reação em Alcácer, quando souberam?


JP - Fiquei até à última sem contar. Não podia contar e ao mesmo tempo não queria fazer um grande alarido. Quando fui para lá recebi muitas mensagens, de muitas pessoas, e um apoio incondicional de toda a gente em Alcácer. E quando voltei a mesma coisa, até me senti assim um bocadinho como que...


S - Como uma celebridade?


JP - Sim, ao mesmo tempo que de repente tinha criado uma certa distância das pessoas. Para um outro patamar em que já não estava acessível às pessoas. Mas isso foi assim mesmo no início. Depois as pessoas perceberam que não era nada disso. Estilo “A Jéssica esteve com a Madonna, podemos falar com ela? Ou agora ela não fala?”. Senti um bocado essa maior distância das pessoas, mas sempre com muito carinho, sempre com muito apoio. 

S - Isso é algo que é sempre referenciado quando se fala do teu nome e da tua carreira. Sentes que houve um antes e um depois dessa experiência? 


JP - Achei que ia sentir mais do que sinto. Sinto que foi como uma, não é uma pausa... Foi uma linha contínua... Porque eu já estava a criar muito o meu caminho antes de ser chamada para trabalhar com a Madonna. Já tinha feito o meu primeiro álbum a solo, já tinha feito os primeiros concertos a solo, ou seja, eu já queria fazer aquilo. Tive de interromper e ajudou-me a abrir outras portas e janelas. 


S - Achas que a nível internacional te ajudou nalguma coisa?

 

JP - Sim, o facto de ter conhecido muitos músicos nos EUA. Se um dia, voltar lá vão querer estar comigo, vão mostrar-me sítios para eu poder ir tocar. Nesse aspeto foi bom, mas não sinto que tenha sido assim grande mudança. Foi mais para mim, do que propriamente para os outros. 

S - Nesse período, conseguiste privar com alguém que já admirasses? Ou ir a algum sítio onde sempre quiseste ir? 


JP - Acho que estar em Nova Iorque, enfim! Foi a primeira vez e foi essa double experience. Estar a fazer o que estava a fazer e depois conhecer sítios diferentes. Conheci 9 estados dos EUA, tudo sítios de que a gente só ouve falar e eu estive lá a trabalhar durante muito tempo. 

S - Sempre quiseste fazer as tuas músicas. O que é que sentias que precisavas tu, Jéssica, de transmitir? 


JP - O facto de eu ter trabalhado durante muito tempo para outros artistas, de ter sido durante muito tempo uma trompetista que está a acompanhar, quase que a representar aquele artista, eu estou a fazer coisas de que aquele artista gosta. Então, consegui perceber o que é que era estar ali naquele papel, ou melhor consegui sentir que eu também queria estar naquele papel. E porque a música é exatamente isso: somos todos diferentes, temos todos maneiras diferentes de ver, sentir, de interpretar. E somos todos únicos. E eu senti que queria que a minha música fosse sentida da minha forma. Para ser à minha maneira. O facto de ter estado com muitos artistas fez-me querer isso ainda mais. 


S - Como é que é a tua maneira? Ou como é que gostavas que fosse? 


JP - Vou tentar explicar. O trompete é um instrumento que está associado a um determinado som, e até a um determinado estilo de música. E eu achava que podia não ser só isso. A forma como eu toco trompete, há quem diga que é como se eu estivesse a cantar através do trompete. As pessoas iam-me dizendo isso e eu ficava de facto a pensar que se calhar eu interpretava as coisas de uma maneira diferente. E queria também associar o trompete a um estilo de música diferente, com uma forma de tocar que não fosse a que toda a gente está a pensar que vai soar. Acho que é um bocado isso a minha identidade. 

Jéssica Pina
Jéssica Pina

S - Achas que podemos usar a palavra rejuvenescer? Ou reavivar o trompete? Não só pela música, mas também toda a tua imagem, as pessoas que escolhes para fazer os teus vídeos, tudo isso também tem uma identidade muito forte e diferente. 


JP - Sim. Às vezes nem se explica, é mais sentir. 


S - Esta experiência com a SOLO, é algo com a qual te sentes à vontade? De que gostas? 


JP - É a minha primeira vez a fazer editorial, mas eu gosto muito. Gosto de fotografia e de ser fotografada. Sempre gostei, desde criança, de tudo o que era assim. Televisão, rádio, palco. Em criança, punha-me no quintal da minha avó e fingia que as galinhas eram o público. Punha-me numa zona que era assim um bocadinho mais alta e punha-me lá a dançar a fingir que era uma artista. Vestia a roupa das minhas primas e os saltos altos, tudo isso, já gostava muito. 


S - Tinhas alguém a quem associavas isso? 


JP - Não, ninguém. A minha família toda estranhou. Mesmo na música, não tenho ninguém, pelo menos da parte da família que eu conheci. Não tive ninguém ligado à música, às artes, à televisão. Nada. 


S - Entretanto, a tua zona de conforto era o trompete e depois começaste a dar voz à tua música. Como é que foi essa experiência? Por que é que o quiseste fazer? E como é que é a ligação entre as duas coisas? 


JP - Eu já gostava de cantar. Desde pequena. Mas tinha muita vergonha. Nem sei se era vergonha, se era o facto de o trompete ser uma coisa tão grande para mim e que me ocupava tanto tempo. Eu acho que eu nunca pensei que podia ser as duas coisas. Era o trompete e pronto. Acabava o meu instrumento e não pensava que podia haver outra coisa. Eu cantava, mas era mais por brincadeira, não cantava ao pé da minha família e amigos. Cantava para mim. 


S - As pessoas sabiam que tu cantavas?


JP - A minha mãe, os meus pais, sempre souberam que eu cantava bem, mas eu cantava com vergonha não exploravam muito. Depois, quando decidi fazer a minha carreira a solo, mesmo no primeiro disco, o Essência, antes de ir para a turnê, eu já tinha uma música em que eu cantava um bocadinho, mas era muito pouco, era muito assim a medo. As pessoas diziam “tens de cantar mais”. Mas acho que a tour foi mesmo o open mind que eu estava a precisar com essa parte. O facto de eu ser muito perfecionista e de já tocar trompete há muitos anos – o meu nível de trompete é muito mais avançado, na minha forma de ver, do que a voz – então eu achava que não ia agora fazer uma coisa que não é tão boa, que não faço há tanto tempo. Que não estava ao mesmo nível. Mas a tour com a Madonna fez-me pensar nisso. Que sair da zona de conforto e arriscar é a coisa que mais nos faz aprender e que mais nos faz evoluir. E se não fizermos isso vamos ficar sempre no mesmo patamar. E eu pensei “não quero ser essa pessoa”. Mesmo que não seja perfeito, vai começar a ser melhor. Cada vez melhor. Ela de facto inspirou-me para isso. 


S - Como foi o processo? Quando te ouviste as primeiras vezes.


JP - É estranho. Eu senti uma grande evolução desde o primeiro concerto. Em que eu assumi que a voz ia fazer parte a partir dos dias de hoje. O meu à vontade a cantar é muito maior. Não quer dizer que eu tenha evoluído como cantora, mas o facto de estar mais à vontade permite-me explorar muito mais. Tinha muita dificuldade em decorar as letras, agora tenho muito mais facilidade. E acredito cada vez mais que cada um de nós é tão único que a minha forma de cantar é minha e pronto. Não tem que ser a melhor, não tem que ser perfeito. Tenho de gostar. 


S - O teu projeto acabou por ser uma colaboração com outros artistas, como a Rita Vian. Como é que escolhes as pessoas com quem trabalhas? 


JP - Eu já tinha uma melodia feita, mas eu não conseguia pôr uma letra ali. E em português também não estava a conseguir. As palavras são mais delicadas, é mais difícil fazer rimar, mais difícil fazer sentido com as palavras. Então senti que precisava de ajuda. E a Rita fez uma coisa incrível que é: eu não lhe disse absolutamente nada de tema, ela só tinha a melodia e tinha de fazer uma letra. E ela descreveu uma coisa super minha, e super de acordo com o que se passa agora, sou um vento novo. Todas estas coisas novas que eu estou a fazer, como cantar, este estilo musical que também é diferente do anterior. 


S - Quando olhas para a frente, o que é que ambicionas para o teu futuro? O que gostavas de vir a fazer? Quais são os teus planos? 


JP - Eu gosto de pensar passo a passo. Mas gostaria muito que a minha carreira a solo evoluísse, atingir mais pessoas, criar uma história e que essa história seja bem interpretada pelas pessoas. 

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Fashion

Jéssica Pina
Maria João Cunha

Assina uma das peças que nos ajudou a criar a história que interpreta a liberdade do jazz trazida por Jéssica Pina partindo de um universo que descreve como um ‘híbrido de contrastes’. Delicado mas intenso, simples mas complexo. Uma mistura entre passado e futuro. O verso e a prosa.

Li que toda a tua formação foi, desde cedo, orientada para a Arte. O que te despertou uma sensibilidade e interesse para esta área? Que referências tiveste ao crescer que te motivaram a deixar prevalecer estudos nesta temática?


Desde cedo surgiu o meu interesse pela área das Artes, era muito criativa e sempre soube que queria fazer algo relacionado com esta área. Quando era mais nova adorava escrever e criar coisas novas. Procurava sempre frequentar atividades extra-currículares neste tema e cheguei até a frequentar um atelier de pintura. No secundário decidi ir para a Escola Artística de Soares dos Reis e foi lá que frequentei o curso de realização plástica do espetáculo. Nas vertentes de cenografia, figurinos e polímeros tive oportunidade de desenvolver vários projetos onde me inspirava em poemas e histórias para desenhar  as roupas para uma personagem ou para desenvolver um cenário que imaginava na minha cabeça. Penso que foi nesta altura que me apaixonei por criar conceitos e dar-lhes vida em peças de Arte. Sempre fui fascinada por materializar as minhas ideias.


Procuras criar paralelismos entre extremos opostos. Onde te colocas no meio desses pólos? De que forma é importante para ti fazer ressoar a tua identidade?


Gosto de me posicionar entre dois conceitos opostos e encontrar o meu espaço, onde tenho liberdade para expressar a minha ideia de moda. Para mim, a identidade em moda é tudo. Identidade é unicidade e expressão. Faço questão de ter a minha própria linguagem dentro das tendências e procuro sempre fazer transparecer os conceitos das coleções em cada peça que desenho. Penso que o que torna a Arte tão interessante é podermos ver as diferentes personalidades de cada artista e a singularidade que essa identidade traz a cada projeto. Confesso que é uma satisfação para mim quando alguém me diz que reconhece as minhas peças mesmo quando não existe uma etiqueta a dizer Maria João Cunha: sinto que partilho com os outros um pouco da minha visão e do que me vai na cabeça e isso deixa-me muito feliz e concretizada.


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O que pretendes acrescentar ao cenário de moda nacional? E internacional? Quais são as tuas mensagens ou motivações (vi que por exemplo a sustentabilidade é um dos pilares da tua marca)?


Nas minhas próximas coleções pretendo desenhar o sinto que falta na moda, tanto portuguesa como internacional. Tenho uma ideia específica do que é a moda para mim e gostava de desconstruir este pensamento e desenhar para diferentes pessoas e estilos. Quero que Maria João Cunha seja um estilo marcante mas, sobretudo, um estilo que se adapta a diferentes gostos e personalidades. Há um caminho a seguir, especialmente em relação à sustentabilidade. Tenho vindo a desenvolver técnicas de manipulação de tecido que me permitem usar os mais diversos materiais e criar coleções zero waste. A técnica de favos de mel modernizados é um bom exemplo de uma técnica que me permite usar desperdícios de tecidos e criar peças que não causam qualquer tipo de desperdício quanto aos materiais utilizados. O meu objetivo é crescer cada vez mais neste sentido e poder marcar a moda de uma forma positiva e com uma visão sustentável, aplicando sempre a minha identidade em cada projeto.

Explica o teu processo criativo – e em particular o da peça usada por Jéssica Pina para este editorial da SOLO. De onde surgiu o conceito para esta coleção? Como é que este vestido ‘aconteceu’?


Esta coleção foi inspirada numa metáfora de Mia Couto: “Se eu fosse casa escolhia ser janela. Porque a janela é da casa o que não é, o vazio onde ela sonha ser mundo.”. 

Na coleção,  a janela é uma metáfora: é a pequena liberdade que a casa tem, é simultaneamente o vazio que nós queremos que o vizinho veja e a cortina que usamos para o esconder. Elaborada num ano atípico, onde os conceitos pareciam estar a desaparecer, a coleção foi desenvolvida sem qualquer inspiração, referência ou conceito. O objetivo seria poder dar ao público toda a liberdade de interpretar os coordenados como a janela dá liberdade a qualquer edifício. Como nas metáforas de Mia Couto, a interpretação da coleção pode tanto ser “uma janela que se abre para o lado do sol” como “uma janela que se abre para as traseiras do mundo”. É uma coleção despida e transparente que, ao não ter conceito, acaba por se tornar num mundo de conceitos e ideias que espelham uma personalidade, uma opinião e uma ideia de moda.


Neste vestido foram utilizados elementos que nos trazem tanto de antigo como de contemporâneo: a escolha de materiais, a técnica de manipulação de tecido e a silhueta foram pensadas de forma a apresentar uma nova vertente de clássicos de moda. Os favos modernizados preenchem o vestido com o vazio que trazem e atribuem ao coordenado tanto de transparência como de conteúdo, tanto de simplicidade como de complexidade, tanta nudez como tecido. É alcançado um híbrido entre o passado e o moderno através do uso de cores constrantes, da geometria modernizada da antiga costura de favos e da irregularidade dos volumes. Aquilo que representa o vão acaba por se tornar numa peça bastante marcante e que reclama o seu destaque. Num mundo onde parecem não existir mais conceitos, a coleção ergue-se por si só. E a janela parece não ter mais uma cortina. Assim surge a coleção- “Janela Aberta”.


Places

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Arrepio

Apropriaram-se da definição de ‘agência de viagens’ para se apresentar, mas são demasiado terra a terra, os cães amistosos e os sofás são confortáveis. Misto de cowork, espaço cultural, festas inimigas do fim, laboratório de ideias e sindicato de artistas, o Arrepio tem asas para voar mas também convida a ficar.

Começaram por ser um espaço de trabalho, mas hoje em dia representam um espaço de liberdade para a comunidade artística. Como surgiu o Arrepio - da relação entre os fundadores até ao nome - e como o descrevem hoje em dia?


O Arrepio nasceu em 2020 com o Francisco Narciso, com o Vasco Narciso e com o Pedro Vercesi que depois de terem sido expulsos de uma residência artística que estavam, encontraram o Heden. O Heden era um espaço de coworking na Graça e devido ao seu crescimento decidiram realugar as instalações para fins artísticos. 


Os sócios fundadores abraçaram este projeto com todas as suas energias e abriram as portas inicialmente para exposições e pequenos convívios durante a pandemia. Hoje em dia o Arrepio tem a missão de juntar vários artistas, sendo residentes ou não e levar a sua arte a todos.


Uma agência de viagens foi a forma metafórica com que criaram a vossa identidade online e o próprio cartão de sócio. O Arrepio é um lugar de passagem? Que tipo de experiências se esforçam por proporcionar a quem lá embarca?


A metáfora de agência de viagens nasce do facto de que em tempos de pandemia todos estávamos fechados em casa e sem ver o mundo lá fora e o Arrepio tinha o papel de permitir os seus visitantes a viajarem fora das duas casas, seja socialmente ou intelectualmente. 
Sempre foi uma preocupação nossa mostrar várias vertentes artísticas e dar voz e espaço a diferentes pessoas. Um dos nossos eventos que melhor retrata isto são as nossas exposições coletivas, GATE 35A, em que convidamos vários criativos a exibir o seu trabalho. Aqui podem ser encontrados desde performers, a músicos até escultores e designers.


No fundo o Arrepio tenta ser um espaço seguro sem barreiras culturais em que todos são especialmente convidados a embarcar nesta viagem que acaba por ser uma experiência individual e diferente para cada um.


Apesar de haver um cartão de sócio/pagamento para se assistir a acontecimentos específicos, o Arrepio tem de certa forma as portas abertas aos criativos. Que sinergias já surgiram proporcionadas pelo espaço? Quais os momentos-chave que destacam desde a abertura do espaço?


A principal característica do Arrepio desde o seu início é o facto de todos trabalhamos em conjunto. Sempre tivemos rodeados pelos nossos amigos, que mesmo não fazendo parte da constituição formal da associação cultural, nos ajudam em qualquer circunstância. O Arrepio é um espaço que está constantemente em transformação, mas com a particularidade de conseguir receber e dar a nossa visão sobre a arte. Somos um grupo de jovens que tem tanta sede de cultura como de lutar pelos direitos dos artistas em Lisboa.


Que planos têm para o Arrepio? O que pretendem melhorar/reforçar na atividade cultural portuguesa?


Para 2023 teremos espaço para receber mais residentes. Estamos com vontade de dar casa a atividades mais educativas como workshops e aulas e como sempre, manter esta troca tão enriquecedora de experiências e contactos entre todos os artistas que por aqui vão passando. O Arrepio é um espaço em que a espontaneidade habita e por esse motivo todos os dias existem novas ideias e propostas em cima da mesa. 

Team

Photography Francisco Narciso

Styling and production Larissa Marinho

Hair Rui Rocha

Makeup Elodie Fiuza

Set designer Pedro Vercesi

Styling Assistant Margarida Martins

Photography assistant André Mascarenhas Barreto

Video Eduardo Gonçalves

Music @toupeiraa

Location Arrepio

Text Patrícia Domingues

SOLO © 2024

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