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Entrevista por Patrícia Domingues
Fotografia por Frederico Martins
Styling Joyce Doret
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Começou por ser a miúda cool das novelas, com queda para a moda e uma boa atitude. Mas o que é que ser cool tem de especial? Sê-lo é difícil, mantê-lo é ainda mais. Uma qualidade assente em camadas que, quando descascadas, não reportam a mais do um frágil sentimento generalizado, viaja do espectro do descontraído à epitome da elegância. Há quase uma década numa roadtrip pela spotlight, é seguro apontar Kelly como a maior condutora da coolness portuguesa - e oh, bem estávamos a precisar de alguém bonito, talentoso e com a dose certa de ‘não me levo demasiado a sério’ nesse volante.
SOLO: Acabaste de voltar do Brasil. O que é que mais te surpreendeu nesta viagem?
Kelly Bailey: Esta foi das viagens mais especiais para mim por dois motivos. Foi o meu aniversário e fiz 25 anos; estarmos no Rio de Janeiro, experienciar o Carnaval do Rio e ir ao [Sambódromo da Marquês] Sapucaí e sentir os primeiros pontapés do bebé. Acabou por ser um aniversário muito especial em vários sentidos, estava no Brasil com amigos de quem gosto muito, grávida, por isso, acho que houve ali uma mistura de muita coisa que tornou esta viagem especial.
S: Qual é a melhor sensação para ti em viagens: ir ou voltar?
KB: Eu gosto sempre de voltar, o que eu acho que é bom. São sensações muito diferentes. Gosto de ir, quando vou também já estou a precisar e adoro viajar. Mas também gosto de regressar, volto para o trabalho com outra energia. Acho que viajar é super importante porque aprendemos muito, faço sempre muitas amizades fora, conhecemos outras culturas e, no meu caso, no meu trabalho, acabo sempre por aplicar alguma coisa. Se tiver a fazer uma personagem, há alguma coisa das minhas viagens que eu acabo sempre por levar comigo. Acho que venho mais inspirada.
S: Falaste em conhecer pessoas novas. Qual foi a pessoa mais interessante que já conheceste numa viagem?
KB: Com o Lourenço já fiz muitas viagens, e nós temos muito isso em comum, que é: adoramos viajar e fazer amigos. É muito raro nós voltarmos e não ter acontecido. Já fizemos amizades no Japão, temos amigos alemães, agora no Brasil também fizemos. Conhecemos um senhor muito engraçado no México, assim no início do nosso namoro que era assim ainda meio secreto, que era o Capitan Boa, e ele foi muito engraçado. Não ficámos com o contacto dele na altura, mas temos imensas fotografias, aliás tenho uma foto com ele lá em casa. Nós conhecemo-lo na praia, na altura estávamos a gravar os dois uma novela, A Herdeira, e era o nosso único dia de folga, nós gravávamos todos os dias, éramos protagonistas. Estávamos assim a começar a namorar e então esse dia foi muito especial, e lembro-me até hoje desse Capitan Boa, como uma personagem que marcou as nossas viagens. A parte gira disto é que hoje já acontece voltarmos ao Brasil e já temos aqueles contactos que vamos lá só para visitar, ou já vieram cá a Portugal. Por exemplo, houve um casal de atores que conhecemos no Japão que já vieram cá a Portugal e já tivemos com eles, foram dormir a nossa casa. Agora eles estão nos Açores e convidaram-nos para irmos lá ter com eles. Acho que é sempre giro conhecermos pessoas de fora.
S: Qual é a primeira coisa que fazes quando chegas a um sítio novo? Como é que a tua forma de explorar os sítios para onde viajas?
KB: Depende. Nós não costumamos programar viagens, ou seja, eu não sou aquela pessoa que quando viaja já sabe onde é que deve ir, ou os restaurantes e este é o sítio certo para fotografar... Nunca fazemos muito isso, acabamos sempre por no momento somos sempre surpreendidos, ou porque conhecemos alguém. Agora, por exemplo, no Brasil, acabámos por ir à Rocinha porque conhecemos um senhor na praia que nos levou.
S: O começo da tua vida profissional como atriz foi assim um bocadinho, não quero dizer aleatório, mas orgânico. És uma pessoa mais de planear ou de ir à descoberta?
KB: Eu diria que não sou nada uma pessoa de planear. Há coisas que devemos planear, mas sinto a minha vida não tem sido muito planeada. A vontade de ser atriz sempre foi um desejo que eu tive, portanto sim, isso estava nos meus planos, e acabou por acontecer de forma muito natural, e foi um percurso feliz e positivo nesse sentido, mas não sinto que tenha planeado muito. Acho que até agora tem corrido bem assim.
S: Acabaste também por falar de encontros, pessoas que vão surgindo, situações que uma leva à outra.
KB: Exato, acho que isso é difícil de acontecer quando planeamos muito. Há quem nos pergunte como é que nós vamos ser enquanto pais por sermos assim. A mãe do Lourenço, a minha mãe, às vezes perguntam. Nós temos sempre o almoço de Domingo, um em casa dos pais do Lourenço, outro na casa dos meus pais, e nós somos sempre os últimos a chegar, então é sempre aquela pergunta: ‘como é que estes dois se vão orientar com uma criança?’ O Lourenço no Brasil estava a dizer isso: ‘eu gosto de ser assim, eu sou feliz, não é uma coisa que me deixe infeliz ou stressado, é bom’. E eu acho que quando fazemos isso dessa forma, às vezes planear muito no nosso caso acaba por não correr tão bem. Apesar de sabermos que com uma criança, há rotinas que têm de existir, mas acho que vai ser giro, estou entusiasmada com essa fase! Acho que aí vou ter de adaptar um bocadinho o não-planear.
S: Ainda tens alguns meses para te mentalizares.
KB: Ainda tenho! Não muitos, mas ainda tenho.
S: Olhando um bocadinho para trás para o teu álbum de memórias, que imagens é que te surgem de momentos marcantes ou que olhes e penses ‘ok, isto foi mesmo um marco na minha vida e fez-me seguir esta direção e não outra qualquer’.
KB: Eu e a minha irmã, a Madalena – eu falo muito dela porque nós só temos 11 meses de diferença, e nós somos muito diferentes. A minha irmã era ótima a matemática e tirou arquitetura e estudava muito, e eu era super distraída e aluada e o meu tipo de brincadeiras era muito... A minha irmã não gostava muito de maquilhagem e eu usava as maquilhagens todas... Sei lá, éramos mesmo o oposto nesse sentido.
Quando eu decidi ser atriz, para o meu pai e para a minha mãe foi uma coisa que não foi assim tão estranha. Acho que é daquelas memórias que eu tenho mesmo de pequenina, tenho eu e uma grande amiga minha que era a Chloé, que depois também tirou cinema... Tenho muitas imagens nossass, estávamos sempre mascaradas e a fazer vídeos, a filmar, a gravar filmes, as duas com câmaras e tudo. Essa é uma memória que eu tenho de pequenina que vem comigo até hoje. E acabei por pôr em prática na minha vida profissional.
S: Apesar de não planeares no teu dia a dia, como é que escolhes os teus projetos futuros? Ou como é que projetas o teu trabalho?
KB: Não é constante, tem mudado muito, porque eu também tenho mudado muito. Não num mau sentido, estou a crescer, comecei a trabalhar muito nova, comecei com 16 e então noto mesmo os gostos que eu tenho, ou se calhar as marcas com as quais me identifico, ou o estilo de roupa. Cada vez mais parece que estou a encontrar uma identidade que é minha e que, se calhar, amanhã muda totalmente. Mas sinto que está a ficar mais sólida, identifico-me cada vez mais com aquilo que faço e, se calhar, quando comecei estava ainda muito à descoberta e aquilo que eu fazia não tinha tanta certeza se ia ou não gostar. Ou seja, foi preciso eu fazer para se calhar hoje estar um bocadinho mais sólida nesse sentido.
S: Neste momento, que critérios dirias que são importantes?
KB: Também fiz essa mudança profissional, neste momento tenho a minha equipa a trabalhar comigo. Perdi um bocadinho aquele conceito de ter um agente, que pode ser mais distante. E eu sinto que finalmente estou muito mais próxima e envolvo-me muito mais no processo todo. Sinto menos, não quero chamar-lhe um produto, porque nunca me vi assim e acho que todas as pessoas com quem eu trabalhei até hoje tenho a sorte de me terem sempre respeitado - mas sinto que estou numa fase em que ter esta equipa com quem eu trabalho torna tudo muito mais pessoal, posso envolver-me muito mais, as coisas têm outro gosto e energia. E olho para os trabalhos que tenho feito recentemente, desde que houve esta mudança e há muito mais de mim ali. Sou eu mesmo. E às vezes havia uma distância muito grande entre aquilo que sou eu em casa e se calhar a Kelly ali do trabalho. E acho que conseguir fazer essa junção tem sido muito saudável, acima de tudo.
S: No teu post escreveste que sentias que estavas no caminho certo. É um caminho mais livre?
KB: Mais livre, sem dúvida.
S: Além de trabalhares como atriz, emprestas a tua imagem a várias marcas, estás conotada com o meio da moda, tem-se alterado à medida que tens crescido. E todos temos assistido a isso. Numa era em que a identidade é quase uma caraterística fulcral para qualquer figura pública se tornar, não digo influencer, mas influente, de que forma vês esse teu caminho a ser traçado? Isso é importante para ti?
KB: Tem sido uma coisa muito natural. Desde que comecei e até agora, sinto que me estou a descobrir. Por já ter feito, já ter tido a oportunidade de experimentar muita coisa, ver muita gente, fazer muita coisa que também não gostei – só errando dá para chegar aí –, dá para se calhar sentirem mais que há uma identidade que está... Ou seja, as pessoas já olham para mim e já se identificam com algo específico. Eu não faço isso, ou seja, não é consciente, mas sinto que me passam muito essa... O que eu sinto mesmo é, quando nós começamos e trabalhamos com a imagem, ou pelo menos falo do meu caso de ter começado muita nova com televisão, às vezes é muito fácil irmos por um caminho que nem sempre, nem temos tempo de perguntar “é por aqui que eu quero ir?” ou “é isto que eu quero fazer?”. Há muita coisa que acaba por nos fazer tomar essas escolhas. Há certos momentos meus que olho e não me identifico se fosse hoje, e na altura fez-me sentido. Aí, percebo que haja algo em mim que as pessoas se identifiquem mais, ou já reconheçam “a Kelly esteve aqui, ou fez isto”. Mas acho que tem sido uma coisa muito natural, não é pensada.
S: Sentes que este projeto da Netflix - a série Rabo de Peixe - é algo com que te identificas? É um projeto do qual te sentes orgulhosa?
KB: Sim, acho que este projeto apareceu mesmo na altura certa. Ou seja, numa fase em que eu precisava de fazer este projeto, de saltar e fazer algo um bocadinho diferente do que eu já tenho feito até agora. Todo o processo, a fase de casting também que não foi só ir a um casting, houve uma serie de avaliações que foram feitas, que eu acho que eu própria precisava de passar por isso. Só esse processo para mim, mesmo que eu não tivesse ficado, foi super importante para mim. E às vezes a gravar projetos longos, uma novela por exemplo, não me dão oportunidade para fazer isso. E eu percebi que é super importante fazermos isso, temos de estar sempre a passar por esse processo na verdade. Acho que não há idade para fazermos isso. De sermos avaliados, tanto de forma positiva como negativa. Às vezes é preciso receber esse feedback.
E depois todo o processo de fazer esta série foi totalmente diferente de tudo aquilo que eu tenho feito até hoje. Todo o timing, a forma como preparámos as personagens, a escrita também bem diferente daquela a que eu estava habituada. E, portanto, foi incrível fazer parte deste projeto. Só quero muito que saia, quero muito ver. Ainda há muita coisa que eu não consigo falar porque há muita coisa que eu não vi, mas eu acho que as pessoas vão gostar muito de ver a série.
S: A que sítios é que esta personagem – ou este projeto – te levou, que ainda não tivesses estado?
KB: Várias coisas. Agora entretanto já cresceu, mas rapei o meu cabelo a máquina pente 0, todo ele foi rapado na parte de baixo. Todo esse processo de me porem diferente, que era uma coisa que eu queria muito, que eu desejava, e às vezes não é assim tão fácil, de não terem medo de arriscar ou de me porem menos bonita - eu precisava mesmo disso. Lembro-me de quando começamos a rapar, estávamos a ver se era só de um lado e acabou por ser dois e atrás, e eu lembro-me de olhar para o Augusto Fraga, que é o realizador, e dizer “eu acho que eu devia era rapar o cabelo todo” e ele ficou a olhar para mim. Hoje penso ainda bem que não fiz isso, porque também não se justificava para a personagem, senão tenho a certeza que não me iria arrepender. Havia muito este à vontade para me deixarem mudar, e houve esse à vontade por parte do Augusto e da Joyce [Doret] que também fez parte do guarda-roupa.
Todo o processo de termos ido para os Açores antes, de nos termos envolvido com as pessoas de lá, de respeitarmos esta história que, apesar de ser uma história verídica não é documentada... Há muita coisa que tem um lado de ficção, mas há muita coisa que aconteceu mesmo e por isso tivemos que ir lá garantir que estávamos a respeitar as pessoas que passaram por esta história. E isso é algo que eu nunca tinha feito. Tudo o que é séries e histórias verídicas eu gosto muito, sempre. É algo que vou sempre querer envolver-me em projetos assim. E acho que nos traz alguma responsabilidade.
“A série Rabo de Peixe apareceu mesmo na altura certa. Numa fase em que eu precisava de saltar e fazer algo um bocadinho diferente do que tenho feito até agora. Todo o processo, a fase de casting também que não foi só ir a um casting, houve uma serie de avaliações que foram feitas, que eu acho que eu própria precisava de passar por isso. Percebi que é super importante fazermos isso, temos de estar sempre a passar por esse processo na verdade. Acho que não há idade para fazermos isso. De sermos avaliados, tanto de forma positiva como negativa. Às vezes é preciso receber esse feedback.”
Vestido Zimmerman na Fashion Clinic
Jeans Levi's Chapéu Hurricane
S: Li umas entrevistas tuas em que dizes que quando tens uma cena para gravar no dia seguinte às vezes ficas acordada a pensar naquilo. Agora falaste do cabelo. Pegando no tema das viagens, que é o mood deste shooting, entre atalhos e caminhos mais difíceis, tendes a escolher que direção? Ou seja, aceitas bem desafios?
KB: Sim, é uma pergunta um bocadinho tricky. Mas acho que sim, no trabalho quanto maior o desafio - nós estamos sempre à procura disso. A parte que mais me fascina é antes de começar a filmar, porque existe sempre a pergunta ‘como é que eu vou fazer isto’. Quanto mais distante for a personagem de mim, por um lado mais complicado é perceber como é que eu vou chegar lá, por outro acho que acaba por ajudar muito estarmos distantes da personagem. Pelo menos para mim, essas personagens acabam por ser mais desafiantes, mas acabam por compensar muito mais. Acho que o caminho de ser mais difícil, até agora acho que acaba sempre por compensar.
S: Tem um bocadinho a ver com desconforto. Se buscas esse desconforto para evoluir... Estavas a dizer, o papel que fizeste agora é um bocadinho diferente do papel que te têm oferecido.
KB: Sim sim, eu acho que a zona de desconforto é boa. No dia em que eu encontrar um conforto, acho que perde um bocadinho a magia que eu acho que a minha profissão tem. Acaba sempre por nos deixar ali a descobrir. Esse desconforto é algo que acaba por ser até um bocadinho viciante, diria, e portanto é bom.
S: Lidar com a falha também.
KB: Sim, sim. Eu acho que em televisão é um bom sítio para aprendermos a lidar com a falha. 25, 15 cenas todos os dias é quase impossível não falharmos. São muitas horas, muitas cenas, é muito rápido, portanto eu acho que é quase uma escola para aprendermos. Daquelas 15 cenas se 5 estiverem muito boas é bom. Vamos sempre sair de lá em que uma ou outra não vai correr tão bem. Não é possível correrem todas exatamente como queríamos. Se pudéssemos repetir só mais uma vez ou se nos dessem mais um bocadinho de tempo... Lidar com a falha acaba por ser importante e acho que acaba por ajudar um bocadinho ter tido aquele ritmo. É quase como ir ao ginásio, e de repente dão-me esse tempo, eu consigo apreciar de outra forma por ter feito televisão.
S: Acabaste de fazer 25 anos, sentes que trazes muita bagagem ou sentes que ainda viajas de forma light?
KB: Eu acho que ainda não trago bagagem nenhuma, ainda tenho a mala toda para encher. Acredito que esta viagem que vou começar agora da maternidade, que vá trazer alguma também; tudo é novo, tudo vai ser novidade e há muita coisa que eu vou aprender. Mesmo a nível profissional, eu sinto que estou mesmo no início.
S: Para essa nova viagem, o que é que sentes que já tens na mala que te vai ajudar a lidar com isso?
KB: Na verdade, sendo muito sincera, eu acho que ainda não tenho nada. Tenho tentado fazer um exercício que é: como há tantas opiniões e formas diferentes e nunca ouvi ninguém dizer que aconteceu de forma igual, é tão específico que eu acho que o ideal vai ser deixar acontecer. Não planear nada. Faz sentido pela forma como eu sou, e é assim que eu vejo que vai resultar melhor, ou se eu criar muitas expetativas sobre as coisas – passado 1 mês quero estar a trabalhar ou quero estar a fazer isto – acho que isso às vezes não resulta muito bem. Eu não sei o que é que vem, prefiro deixar-me ser surpreendida. Também estou bem rodeada, tenho apoio, não estou com medo. Vai correr bem.
S: A quem é que tu ligas quando precisas de assistência em viagem?
KB: Para o Lourenço. É a primeira pessoa a quem eu ligo.
S: Que perguntas tens feito ultimamente, ou que perguntas é que já te fizeram que te puseram a pensar? Que coisas assim determinantes para ti podem vir a moldar o rumo do que vem a seguir?
KB: Eu acho que hoje em dia é raro envolver-me numa coisa em que eu não acredite minimamente, ou não me identifique. Hoje tenho essa facilidade por já ter experimentado algumas coisas que me fazem achar que é por aqui que eu quero ir (mesmo que depois não sejam). É mais fácil não aceitar qualquer coisa, e não é que nos vamos limitando, mas tenho um gosto mais específico e há coisas com as quais me identifico mais. Há coisas em que sei que por aqui eu já não quero ir, por já ter ido. Se calhar ajuda-me mais a perceber se tem a ver comigo ou não, e tentar respeitar isso. Nem sempre o fiz, dizer que não. Saber que eu me identifico, se me sinto bem ali. Às vezes não vai acontecer e também é bom fazermos coisas com as quais não nos identificamos tanto porque assim também vamos aprender, pelo menos onde é que não queremos estar. E acho que a única forma de saber é ir experimentando assim. Mas hoje em dia consigo perguntar-me melhor e fazer essas escolhas. Mas ainda vou errar muito (risos).
P: Há assim alguma banda sonora que imagines para esta fase toda. Se estivesses numa roadtrip, o que é que gostarias de ouvir?
K: Eu estou com samba na cabeça. Acho que a música está muito presente na minha vida, e vario muito. Vario muito com os dias, não tenho assim um mood específico. Mas alegre! Acho que estou numa fase feliz.
“Todo esse processo de me porem diferente, que era uma coisa que eu queria muito, que eu desejava, e às vezes não é assim tão fácil, de não terem medo de arriscar ou de me porem menos bonita - eu precisava mesmo disso. Lembro-me de quando começamos a rapar, estávamos a ver se era só de um lado e acabou por ser dois e atrás, e eu lembro-me de olhar para o Augusto Fraga, que é o realizador, e dizer “eu acho que eu devia era rapar o cabelo todo”.”
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O convite está explícito desde o momento em que se chega à Herdade: aqui o tempo parece não caminhar. Não é só um slogan que fica no ouvido, é um chavão para a realidade bolha que se vive na herdade de Albergoa, onde a hospitalidade, a familiaridade, o detalhe e o cheiro nos fazem sentir no melhor lugar de todos - em casa.
Num mundo em que a inteligência artificial ameaça ocupar as nossas mais-valias, ao mesmo tempo que nos oferece tempo e descanso como o melhor dos assistentes pessoais, continuam a existir experiências que não conseguem ser mimicadas. Precisam ser vividas. Há locais - acrescentar raros - que continuam a encapsular o que não dá para registar num post do Instagram ou em palavras, dando vida à mais inesquecível das experiências, a humana. Com a natureza a balizar a vista e a decoração, é impossível não começar o dia com uma sensação renovada de esperança que parece que se respira como o ar. Acompanhar Rita Soares por um passeio na Herdade da Malhadinha Nova é, ao mesmo tempo, um exercício de escuta, concentração, esperança e, aqui entre nós, uma pontinha de inveja: fazer da natureza escritório soa-nos a melhor forma de teletrabalho. Rápido percebemos que nem tudo se deixa embalar com o cantar dos pássaros – há mil tarefas que se multiplicam com a personalidade exigente e minuciosa de uma das CEO’s da Herdade. Quando a missão é tão alta quanto ‘ser um exemplo’, quando a função não é o entretenimento mas a educação, quando um projeto de vinhos ou de turismo passa a ser um de vida, há mais para fazer do que apreciar a vista. Mas não deixa de ser um dos grandes privilégios.
Mimos, cuidado, carinho. Como uma pulverização de ambientador pré-programada, o amor dentro da Herdade circula pelo ar. Um tipo de amor de família, que não pretende ser ostensivo, mas de conforto, quer pelos hospedes quer pelos funcionários. “Esta senhora trabalha aqui há 22 anos: foi ela que plantou a primeira cepa da primeira vinha. Trabalha no campo, no hotel, onde for preciso. Da mesma forma que tratam do espaço também tratamos deles”, conta Rita, ao bom dia trazido por uma das suas colaboradoras. Adquirida pela família em 1998, ano em que nasceu a sua filha mais velha, Francisca, a Malhadinha era uma terra abandonada havia mais de 30 anos. Nos 10 anos em que o projeto ficou em stand-by, a história e cultura riquíssimas foram pesquisadas, decoradas e respeitadas enquanto Rita arquitetava toda a estrutura do espaço na sua cabeça e coração. Quando finalmente se materializou, e mesmo não sendo decoradora, só poderia também partir dela, em conjunto com a Joana Raposo e ancorada no respeito pela natureza e na necessidade de preservação dos recursos e da história da região.
São demasiados os detalhes que tornam este lugar tão especial. Detalhes que levaram tempo, consideração e talvez a mais menosprezada das mais-valias de um bom empreendedor, a paciência. Como o requerimento para a plantação de uma vinha rasteira, que não incomodasse as aves e que fez com que as que estavam em vias de extinção hoje apresentam status de segurança. A escolha das marcas com as quais se cruzam, como as loiças da Vista Alegre que habitam pelas casas e que celebram o percurso de uma marca portuguesa ou os designers de peças de decoração que se inspiram na natureza. O cheiro das velas que perfumam cada casa e que respeitam o tema. Ou uma das mais impressionantes de todas, a recuperação da edificação existente, com cada tijolo assente na história original de cada espaço. “Antes de construir cada uma das casas preocupei-me com a história e fui ao fundo de tudo, investiguei tudo”, explica Rita. “Tudo é a base da história da propriedade, da região, dos atributos naturais que existem. A história tem de ser verdadeira senão não perdura no tempo.”
Todos os dias se diz surpreendida com a beleza da natureza, que é o melhor jardineiro do planeta. O minimalismo que se sente em cada uma das casas permite que se absorva o que espreita do lado de fora e que verdadeiramente nos conectemos com o que estamos a v(iv)er. Também do lado de dentro, somos convidados a conhecer o trabalho de artesãos da região. As botas alentejanas de Mário Grilo. O trabalho de barro do mestre António. Os pavimentos do mestre Parreira. As cadeiras de boinho do mestre Pica. Sabe o nome de todos e brilham-lhe os olhos quando nos apresenta aquilo que produzem. Conta peripécias e esforços para levar os seus nomes além, num discurso sobre uma sustentabilidade honesta que, tal como a beleza da natureza que nos rodeia, não dá para forjar. “O luxo também está relacionado com este tipo de experiências. Não tem preço.” Mais do que uma experiência querem que as pessoas façam check-out não só com o sono em dia, mas com conhecimento extra. “Talvez tenha a ver com a minha formação, sou educadora de infância, e uma vez que temos um projeto no qual os desenhos dos nossos filhos são uma ferramenta de comunicação é o que me faz sentido.” Os rótulos das garrafas de vinho, desenhados pelos filhos, têm ambição educacional, focam-se num tema relacionado com a natureza e comunicam as preocupações com a preservação do ambiente. “Tudo pode ser bem feito, e ao ser bem feito podemos ensinar a fazer bem.” Nestes anos têm plantado raízes profundas, trazido um sentimento renovado de continuidade e criando riqueza para a região e comunidade.
Afinal, é importante não esquecer que apesar de tudo aqui nos trazer vida, a Malhadinha está localizada numa das regiões menos povoadas da Europa, uma reserva ecológica natural e uma zona de proteção especial para o desenvolvimento da avifauna local. Os 450 hectares da Herdade são utilizados para a produção biológica de vinhos e de todos os produtos consumidos aqui. O respeito pela natureza, pela história e pela cultura são fundamentais para o futuro, mas começam agora, no presente. E Rita nunca o esquece, até porque a família é naturalmente inquieta, gosta de inovar. Como no mais recente espaço de bem-estar que nos apresenta: um projeto do arquiteto Manuel Aires Mateus, e que aproveitou zonas de ruínas, fazendo nascer suites holísticas. “Sentimos que a nossa história pela vida só faz sentido se não deixarmos a vida passar por nós e a melhorar o que está à nossa volta.” Da parte desta jornalista que volta ao seu escritório não tão verde mas 100% melhorada, muito obrigada.
Team
Cabelos Rui Rocha
Maquilhagem Inês Aguiar
Assistentes de fotografia Pedro Sá e Vicente Sottomayor
Retouching José Paulo Reis @Lalaland Studio
Produção Larissa Marinho
Vídeo Raul Sousa
Carro @ Timeless Garage Location
Herdade da Malhadinha Nova @O Apartamento
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