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Entrevista por Patrícia Domingues
Fotografia por Joe Hunt
Styling por Raquel Mejías
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Raquel tem olhos capazes de engolir o mundo, ainda cândidos o suficiente para o enxergar numa versão melhor de si mesmo. Entusiasta, trabalhadora, sagaz e grata, a modelo tem sabido traçar o seu caminho de forma afiada, como só as de topo conseguem. É certo que ainda não chegou lá, mas não conseguimos imaginar o que a poderá impedir.
Patrícia Domingues: Tu estavas no México a trabalhar?
Raquel Brito: Estava a trabalhar, sim. E foi tão giro. Há 1 ano atrás era suposto eu ter ido ao México, mas tive Covid. Check-in feito, tudo feito e depois testei positiva. Só tive sintomas no dia. E depois chamaram-me exatamente nas mesmas datas. Nunca tinha ido.
PD: Este ano já estás farta de viajar? Já foste para muitos sítios?
RB: Eu nunca me farto de viajar. Eu viajo sempre, eu trabalho 90% das vezes fora de Portugal. O meu tipo de vida é sempre assim, vou e venho consoante os trabalhos que tenho e são sempre fora. Pode ser em todo o lado do mundo, mas normalmente é sempre mais dentro da Europa. É cansativo, mas compensa a 10000.
P. Tentas aproveitar para conhecer os sítios?
R. Tento sempre, mas às vezes é um pouco difícil, às vezes é aquele voo ao final do dia, durmo, trabalho e volto. Mas qualquer janela de tempo que eu encontre, eu vou aproveitar para conhecer alguma coisa.
P. Agora, no México, o que é que conheceste?
R. No México, tive um dia sem fazer nada. Tive de ficar no hotel, mas aproveitei bem na mesma. Se eu dissesse à Raquel de 20 anos que ia estar num hotel daqueles, ela ficaria completamente surpreendida porque era um hotel em frente à praia, Oceano Pacífico, tudo ótimo. Foi a primeira vez que entrei no Oceano Pacifico na minha vida e devo dizer que foi a melhor coisa de sempre. Tinha frio cá fora, eu que normalmente entro em hipotermia dentro de água, tinha frio cá fora! Só ficava dentro de água. Os mexicanos são super simpáticos e toda a gente no hotel sabia o meu nome, não sei como! ‘Miss Brito, how are you?’ E eu: ‘como é que esta pessoa sabe o meu nome?’
Fiquei 3 dias, 4 noites. Foi uma longa viagem. Daqui ao sítio tive de apanhar 3 voos para ir e para voltar. Foi a minha primeira viagem entre continentes e foi a primeira vez que atravessei o Oceano Atlântico de avião. Estou com um bocado de turbulência e fico sempre nervosa, confesso. Foi mesmo estranho, porque eu não tinha medo de andar de avião, mas comecei a ter um receio. Normalmente, as pessoas quando andam de avião começam a acostumar-se. Eu não. Eu no início ia tranquila, agora fico nervosa com um bocado de turbulência.
P. Estavas a dizer há pouco que se dissesses à Raquel de 14/15 anos que ela ia estar no México a viver esta vida, que ela ia ficar chocada. Quando é que se deu essa grande mudança na tua vida? Mais ou menos com que idade?
R. A grande mudança na minha vida aconteceu, na verdade, quando eu fiz 18 anos e acabei o secundário e decidi que queria ser modelo a 100%. Tinha-me inscrito na Faculdade em Estatística Aplicada e tinha média de 18. O meu plano de vida não era ser modelo. Era acabar o secundário, ir para a Faculdade, ter as melhores notas que conseguisse... Eu escolhi esse curso porque tinha muita saída, é um curso muito abrangente. Eu adoro investigação, dá para Matemática, dá para muita coisa. Na altura, eu não sabia muito bem qual era a profissão que eu queria ter porque aos 18 quem é que sabe? E, por isso, resolvi ir para um curso que fosse abrangente em que pudesse escolher entre várias coisas. E escolhi esse. Só que, eu já trabalhava como modelo enquanto estava no secundário, e já se estava a tornar difícil conciliar as duas coisas. E eu pensei: se já estás assim e estás no secundário, imagina com a Faculdade. E então tirei um ano sabático. Passou esse ano e depois foi mais um. Estava a adorar e achei que era uma oportunidade de uma vida. O curso de estatística ia estar lá à minha espera quando eu quisesse. Algumas pessoas foram contra, é normal, principalmente pessoas mais conservadoras como os meus avôs. Tinham aquela ideia do plano de vida, da importância da Faculdade e eu percebo isso, não estou a tirar o mérito à Faculdade, mas no meu caso eu não ia desperdiçar a oportunidade. E não estou arrependida de todo. Foi a melhor coisa que eu fiz até hoje. Não digo que nunca vou tentar a Faculdade, é sempre uma possibilidade, mas ser modelo é a minha prioridade.
P. Como é que surgiu a primeira experiência como modelo. Ainda te lembras?
R. Um dos meus primeiros trabalhos como modelo foi um editorial que fiz para a WAM. Foi a melhor coisa de sempre. Foi a confirmação de que eu estava mesmo a fazer isto. Isto está mesmo a acontecer. E eu, na altura, não tinha bem a noção, era uma miúda, tinha 15 anos.
P. Quem é que te descobriu?
R. Foi a minha querida Paulinha, da We Are. Eu estava na Futurália a escolher o meu curso! E ela vê-me, estava sentada, ela olhou para mim e eu olhei para ela e eu só me perguntava “o que é que eu tenho na cara?”. Mais tarde, ela veio falar comigo, apresentou-se e perguntou-me se eu queria ser modelo. Eu já tinha sido abordada antes, a minha família até dizia que eu por ter pernas compridas podia ser modelo. Mas sempre disse que não! Achava que não percebia nada dessas coisas e que não queria a Moda na minha vida. Até que as minhas amigas me começaram a dizer que se não desse a oportunidade não ia saber. Eu na altura disse à Paula que não queria, que não queria o contacto dela, mas ela deixou-mo, influenciada pelas minhas amigas. E na altura foi do género “vá, está bem” e fui à agência. Tirei as minhas primeiras polaroids, que até hoje tenho, era mesmo uma miúda.
P. Não tinhas aquela coisa de estar em frente ao espelho? De fazer sessões com as amigas?
R. Nada. Gostava de tirar fotografias, tenho fotografias a fazer pose em pequena. Aliás, quando era pequena usava os sapatos da minha avó e vestia as roupas dela para tirar fotografias. Eu adorava sentir-me adulta. E com os saltos dela. Uma vez até cai de umas escadas e quase parti a cabeça. Era mais para brincar e não tanto a ver com a Moda. Hoje em dia, continuo a adorar os saltos.
P. E quando foste à agência, alguém te disse que tinhas jeito? Tiveste logo algum tipo de feedback?
R. Tive. Aliás, a minha agência mostrou-se logo muito interessada em mim, mas eles agiram com muita tranquilidade. Eu era uma pessoa nova, não fazia ideia do que era a Moda, estava ali um bocado perdida. Não sabia bem o que queria. E eles lidaram com a situação de forma muito tranquila. Nada foi forçado, foi acontecendo.
Os meus pais foram comigo. O meu pai achou que era uma loucura. A minha mãe já estava a pensar nessa possibilidade, sempre me disse que eu podia ser modelo. Ela não estava chocada, o meu pai sim. Mas eles sempre me apoiaram os dois a 100%, mesmo na decisão de deixar a Faculdade. De adiar, vá. Nunca me senti pressionada. Conheço muitas pessoas que são pressionadas para ir para a Faculdade e eu nunca senti isso. No meu caso, eu fiz aquilo que eu queria e que sentia que era o certo e eles sempre me apoiaram a 100%.
P. Quando começaste a trabalhar como modelo, o que é que começaste a gostar mais?
R. Viajar. Eu adoro, adoro viajar. O viajar, o conhecer pessoas. Os shootings são sempre diferentes, há sempre uma história diferente. Não é que eu seja diferente a cada shooting, mas no fundo tenho referências diferentes, eu posso ser uma personagem diferente. Eu gosto muito disso. Gosto das experiências. Gosto de conhecer pessoas novas, tanto boas como más. Há de tudo. Mas é mesmo gratificante ver a Arte por trás da Moda.
P. Como é que te preparas para um shooting?
R. Quando me enviam o moodboard, eu faço sempre uma pesquisa sobre as referências do cliente para ir ao encontro do que o cliente quer. Depois no shooting eu e o cliente também falamos e ajustamos. Eu gosto muito dessa pesquisa. No que toca à passerelle, quando eu aprendi, eu via muitos vídeos. Se fores ao meu Youtube, só vês vídeos de passerelle.
P. Quem são as tuas referências?
R. As supermodelos, mas também gosto de ver referências mais recentes. As dos anos 90 são sempre a melhor referência, são pessoas icónicas que fizeram os melhores trabalhos de sempre. São pessoas que no fundo revolucionaram a Moda.
P. Foi um momento em que se começou a imprimir personalidade nas modelos. Não eram só um cabide. É algo que tu tentas transmitir nos teus trabalhos?
R. Sim, completamente. Eu não sou só um manequim de plástico em que se coloca roupa e é só fotografar. Eu gosto de criar uma boa relação com o cliente e com quem esteja no shooting, até com o senhor do catering eu vou falar. E da mesma forma com que falo com o cliente. São tudo pessoas que devem ser respeitadas. Lá está, eu tento não ser só uma pessoa que está ali, em que colocam a roupa e next. Eu tento ser uma pessoa de quem o cliente se vai lembrar depois.
P. A fotografar tentas dar os teus inputs? Claro que há um fotografo, um stylist, um diretor criativo, mas tu também vais tentando imprimir algo teu?
R. O que é meu é a minha essência. E isso vai sempre estar nas fotografias. Não há uma coisa específica que eu faça que mostre que eu sou a Raquel Brito, é só mesmo a minha essência. Eu gosto muito de fotografar e até hoje estou a aprender a fotografar melhor, porque é uma coisa que leva tempo. Mas eu tento sempre ser o mais natural possível. Eu imagino-me dentro de uma história. Estou a fotografar, mas não estou a posar, a fazer 10 poses em 10 minutos. É uma coisa que flui, que é natural. Alguém me disse isto e eu acho que é mesmo verdade: a fotografia são imagens de um vídeo, frames de um vídeo. E isto quer dizer que quando eu estou a fotografar eu não estou a posar, eu faço movimentos.
P. Sentes que isso foi uma coisa natural em ti?
R. Não diria que é inato. Eu já conheci pessoas que não sabiam fotografar e hoje em dia são incríveis. Mas comigo, como eu sempre gostei dessa parte, no início não foi assim muito difícil. Ainda tinha muita vergonha, enquanto hoje em dia já faço tudo no set. Se me pedirem para fazer o pino, eu faço! Fui ganhando confiança. E percebi que se não saísse da minha zona de conforto, não ia melhorar. Se estivesse sempre a fotografar da mesma forma e as mesmas coisas, o que é que seria diferente? Ia tornar-me uma pessoa boring e nós não queremos pessoas boring.
P. E o que sentes que te tirou mais da tua zona de conforto até agora?
R. Honestamente, eu até me considero uma pessoa bastante camaleónica. Eu consigo adaptar-me a diferentes situações muito rapidamente e então se eu vejo uma situação ou um shooting em que me começo a sentir desconfortável, eu meto na cabeça e arranjo logo forma de me sentir confortável. Eu sei que se estiver desconfortável, eu não vou sair bem. Lá está, é a essência. Sei lá, estou na makeup, começo a ouvir música, entro no mood, penso sobre o que é o shooting, o moodboard, organizo-me e, de alguma forma, quando entro no set, tudo acontece da forma mais natural possível.
P. Sempre foste assim? Do género, quando surgem adversidades, vais tentando?
R. Nem sempre. Já houve situações em que encalhei. Nem tudo é perfeito nesta vida. Mas essas situações foram importantes para eu conseguir encontrar soluções noutras situações. Houve erros que fiz que até hoje me lembro. Faz parte, senão não aprendes. Foi todo um processo.
P. Há bocado falávamos de pessoas boas e más. Isto é um meio complicado. É competitivo, mexe com egos... Tu ias preparada para lidar com isso?
R. Não, claro que não! Eu estava no secundário, a minha rotina era casa-escola, escola—casa e do nada estou a viajar pelo mundo. Nas primeiras vezes, eu achei um pouco chocante certas atitudes de certas pessoas. Eu não tinha noção que as pessoas podiam ser assim. Mas não foi uma coisa que durou muito tempo. Eu percebi de imediato que há pessoas assim e que tinha de aprender a lidar com todas. E há uma coisa que até hoje eu faço, seja a pessoa boa ou má, eu vou respeitar essa pessoa sempre. Se alguém me disser algo mau, eu respondo com um sorriso na cara. Eu não vou ser a pessoa que fica com rancor ou ódio, porque eu sei que depois quem sai por cima sou eu. Não vale a pena perder o nosso tempo com pessoas que não nos acrescentam nada. No meu IG eu tenho a frase “Be the kind of person you want to meet” e isso é uma das frases com que mais me identifico. Se queres conhecer pessoas boas, pessoas com quem te identificas, com quem consegues falar sobre tudo, tu também tens de ser essa pessoa. Eu vivo muito para essa frase, mesmo em trabalhos. Há trabalhos em que se calhar não estou tão inspirada, e nesses momentos começo a pensar que, se as outras pessoas me virem assim sem inspiração e motivação, elas não vão ficar contentes. Eu não quero ser essa pessoa. Eu não quero conhecer pessoas assim por isso eu não vou ser essa pessoa. É esse o mindset.
Camisa e cinto Celine by Hedi Slimane
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P. Há alguém a quem tu recorras?
R. Tenho, claro. Eu nem falei com ele sobre esta entrevista, mas uma pessoa que é muito especial e que nunca me falhou, nem nunca me vai falhar de certeza, é o Navarro. Digam o que quiserem, é a pessoa que mais me ajudou na minha vida inteira. Ensinou-me tudo o que eu sei. A fotografar, a lidar com as pessoas, até em termos pessoais, foi uma pessoa que sempre me ajudou muito. Se eu estiver naqueles trabalhos em que eu estou desconfortável ou não estou a lidar muito bem, é a ele que eu vou recorrer. Ele sabe ajudar-me e sempre tirei muito partido disso. Estou muito agradecida por o ter conhecido e a ele especificamente. Mas toda a gente da agência, modelos amigas, os meus bookers que são pessoas que estão lá para mim no matter what.
P. Já houve alguém da indústria que tenhas conhecido e que, há uns anos atrás, pensavas que era uma superestrela e que agora, de repente, estás no backstage com a pessoa?
R. Olha, já estive no backstage com a Naomi Campbell por exemplo. ‘OK, ela está aqui ao meu lado, ela vai desfilar comigo e está a fazer um ensaio aqui’. Foi muito bonito de se ver. Sempre viste a pessoa nas revistas e na televisão, sempre ouviste falar bem da pessoa, e agora ela está ali. Foi diferente e gratificante.
Eu nunca tive muitas pessoas que admirasse muito porque eu não conhecia este mundo. Eu nem sabia o que era a ModaLisboa. Eu conheço a ModaLisboa desde que comecei a fazer há 5 anos e já tenho 20. Mas eu não sabia o que era. Estava noutro mundo.
P. Qual é que era o teu mundo?
R. O meu mundo, até ter conhecido este, era um mundo boring. O que é que era o mundo? Era o mundo de uma adolescente, era escola, era casa, eram férias no Algarve.
P. Quais eram os teus hobbies?
R. Andei na ginástica algum tempo, depois desisti. Percebi que não era o que eu queria. Gostava de ter feito mais desporto quando era criança. Agora treino, não faço nenhum desporto específico, mas gosto de treinar e de libertar energia. E é saudável.
P. Sempre tiveste uma boa relação com o teu corpo e com a tua imagem?
R. Não. Eu na escola, quando era mais nova, odiava as minhas pernas. Porque sempre foram magras. Chamavam-me Olivia Palito. E diziam que as minhas pernas pareciam canetas. Esta profissão veio dar-me mais confiança, sem dúvida. Mas veio mesmo. Se não fosse modelo, eu não teria tanta confiança em mim. E agora que olho para trás, tudo o que eu pensei sobre o meu corpo é estúpido. Não fez sentido. E o que me fez pensar assim foram os comentários das pessoas. Às vezes olhava para o espelho e pensava que gostava de ser um bocadinho mais gordinha ou de ter um pouco mais de peito, anca...
P. Hoje em dias estás em passerelles que toda a gente passa a vida a cobiçar. Fazes campanhas para marcas. Tiveste logo noção disso? Ainda tens de te beliscar do género “como é que eu estou aqui?” Dá medo, pressão?
R. Pressão tem sempre que haver. Em castings e desfiles, há sempre aquele ardor no peito e tem que haver porque se não houver é porque te é igual estar ali ou não. Mesmo antes de estar em passerelle, o coração já está a bater... O primeiro passo que eu dou é uma descarga de energia e só vou. Sinto-o mesmo e isso para mim é mesmo importante. Se não sentes, não vale a pena. Até hoje sempre senti. Às vezes perguntam-me se um dia acho que vou deixar de sentir e eu respondo que não interessa se eu irei sentir ou não, porque hoje eu sinto. Sobre beliscar-me, houve situações em que pensei para mim “bem, isto está mesmo a acontecer”.
P. Tipo qual?
R. As primeiras vezes em que fiz desfiles lá fora. Mesmo que não fosse para grandes marcas. Só a sensação de estar lá fora a desfilar para uma marca que eu não conheço, com pessoas que eu não conheço, com pessoas novas... Eu já ficava uau. Não tem a ver com as marcas em si. Sempre estudei muito e antes de ir para castings sempre me preparei. Eu sempre estudei as marcas antes, com a ajuda do Navarro. Em castings para X marca, ia ao Youtube ver desfiles dessa marca para ter referências. Quero ir ao casting e quero que a pessoa pense “esta modelo é boa para x marca, mas também para y”. Daí a questão de ser um bocado camaleão, eu gosto de me adaptar a várias situações. E é uma parte que eu adoro. É super divertido adaptar-me e adotar maneiras diferentes de estar. Não é sobre maneiras de ser diferentes porque sou sempre eu. Mas a maneira de andar pode ser diferente. A maneira de fotografar pode ser diferente. Eu gosto muito disso, de dar asas à imaginação.
P. Como é que te descreverias a ti?
R. Eu nunca sei responder a essas coisas.
P. Como é que achas que as pessoas mais próximas de ti te vêem?
R. Do feedback que eu já recebi que eu suponho que seja um feedback verdadeiro, sou uma pessoa leal, de confiança, com quem podes falar de tudo, não julgo, sou aventureira. Tudo o que seja sobre adrenalina e experimentar coisas novas, eu sou a primeira a querer fazer. Já saltei de um avião e já quero saltar outra vez. Foi este verão e foi a melhor experiência de sempre (foi em Évora). Foi uma descarga de energia. Eu vou fazer a segunda vez de certeza. Gosto de viver e fazer coisas que me façam sentir viva.
P. Sentes que esta profissão te ajudou a descobrir esse teu lado? Como está sempre a pôr-te à prova.
R. Eu já era assim em pequena. Uma coisa que esta profissão me veio trazer foi ter tornado a minha vida mais acelerada. Muito mais. Isso foi uma das coisas, até hoje e eu sinto-me mesmo orgulhosa de mim própria, de ter conseguido controlar esse aceleramento. Não digo que foi uma coisa repentina, mas eu passei de estar na escola com uma rotina para viajar e querer ser modelo. Até hoje, estou orgulhosa nesse aspeto por ter conseguido controlar bem as coisas.
P. Como é que conseguiste controlar? Tens alguns pilares?
R. Não diria pilares. Sempre quis muito. Com a ajuda de outras pessoas, da família, de amigos, foi gratificante ver o meu percurso. E hoje não me arrependo de nada.
P. Olhando para a tua carreira até agora, que momentos é que tu realças?
R. É difícil dizer porque eu dou a importância devida a todos, porque todos são importantes. Tendo mais ou menos visibilidade, todos têm importância para a minha aprendizagem e todos têm o seu valor. Mas vou ser sincera, quando fiz desfiles lá fora para Dolce & Gabbana, Diesel agora recentemente, são momentos que realmente me fazem sorrir. Eu gosto muito de passerelle.
P. Do que é que gostas?
R. Gosto do furor, do backstage, da confusão lá atrás, do ardor no coração quando estou quase a entrar. Quando a música começa e estamos todos em fila e eles começam “3, 2, 1, OK Raquel Go!”. Gosto muito de sentir isso. Essa adrenalina. Isto é uma coisa que não sinto tanto em shootings. E quando chego a casa e vou ver o vídeo – vou sempre ver, e vou para me julgar a mim mesma. Para dizer “aquela mão não estava bem, aqui os passos deviam ser maiores”. Sou muito autocrítica. Gosto de receber feedback das pessoas que eu conheço e que saibam do que estão a falar. Gosto que me digam o que é que eu fiz bem e também o que fiz mal. Fico chateada, fico passada, frustrada comigo quando faço erros que já fiz há algum tempo e não consigo corrigir. Isso foi um dos problemas que eu tive. Quando não fazia as coisas bem, ficava frustrada e bloqueava. Mas hoje em dia isso já não acontece. Erraste, vais aprender e para a próxima vais fazer melhor. Segue.
P. Tu queres ser a melhor?
R. Eu não gosto de dizer que quero ser a melhor. Eu quero ser alguém que, de alguma foram, fez algo diferente, que fez coisas que mais ninguém fez. Não quer dizer que queira ser reconhecida em todo o mundo, que quero ser famosa – aliás, o ser famosa para mim é uma brincadeira. Não consigo sequer imaginar. Quero ser vista como uma pessoa que lutou muito, que sempre trabalhou e que sempre demonstrou que quer, que quer fazer bem. É assim que quero ser reconhecida. E eu quero sempre mais. Para mim tudo o que eu fiz até hoje, não é suficiente.
P. Tens algum dream job?
R. Tenho algumas coisas. Não te consigo dizer específicas. Às vezes estou na rua e vejo fotos minhas em lojas e olho para aquilo e penso “eu podia estar numa imagem maior”. Ou estou num desfile e penso “OK, estou num desfile, mas também podia fazer a campanha”. Estou sempre a pensar um passo à frente. Claro que fico agradecida por tudo aquilo que faço e fiz, mas eu quero sempre mais. Se eu fizer o lookbook de uma marca, eu vou lutar para ter a campanha. Se eu fizer um desfile, eu vou lutar para ter a campanha também. Eu quero sempre mais e mais. Nunca estou satisfeita.
P. É essa coisa que te faz sentir que te vai puxando, não é?
R. Sim, mas às vezes também pode ser perigoso. Não cheguei a esse ponto. Até porque tenho de ter orgulho do que já consegui. Querer sempre mais pode ser muito perigoso porque não estás agradecida e isso é importante.
P. Estavas a falar da parte da fama. Hoje em dia, há toda uma parte de redes sociais, de se vender uma imagem que, quer se goste ou não, é uma realidade. E é importante para as marcas estarem associadas a pessoas com determinados posicionamentos. É algo que trabalhas ou queres trabalhar?
R. Eu sei que as redes sociais hoje em dia são super importantes. E tenho tentado dar mais importância principalmente ao IG. A verdade é que muitos clientes vão ao nosso IG. Não é ver os nossos trabalhos, porque isso podem ver noutro sítio qualquer, eles querem ver a nossa vida, personalidade. E o IG é uma ferramenta que pode ser usada para isso – e deve. Antes, Raquel Brito e IG não combinava. Eu nem sabia o que era publicar fotografias, IG Stories... Hoje já é diferente, ainda que eu saiba que é algo que eu tenho que melhorar. Aliás, já houve trabalhos em que me pediram as estatísticas. Muitas vezes escolhem modelos com base nas estatísticas do IG. Eu tive um trabalho em que me disseram que quase não me escolheram porque eu não tenho X seguidores. Mas sabes o que aconteceu? Eu cheguei ao trabalho, mostrei a minha essência e todos amaram. Com isto eu não quero dizer que o IG não é importante. É uma ferramenta muito importante, mas não é tudo.
P. É mais no sentido de puderes aproveitar como ferramenta e passares alguma mensagem que seja importante para ti, ou algum posicionamento sobre alguma coisa. Já fizeste isso alguma vez?
R. Pronunciar-me no IG sobre coisas?
P. Sim, imaginas-te algum dia a usares a tua visibilidade para?
R. Vejo sim. Sinto que neste momento não sou a pessoa para isso, não atingi esse patamar. E sei o nível onde estou. Considero-me uma pessoa humilde, não me considero a última bolacha do pacote. Mas sim, um dia, quem sabe. E acho que as pessoas que têm influência devem apostar nisso, porque mostrarem a sua posição sobre certos assuntos pode fazer a diferença. E, para mim, fazer a diferença é importante. Se um dia for possível, sim.
P. Quando as marcas te contratam, gostas de saber a história da marca? De saber os posicionamentos da marca em relação a determinados assuntos?
R. Confesso que nunca estudo muito isso a fundo. Quando eu estudo uma marca, eu confesso que vejo mais a parte criativa, porque é com essa parte que eu vou trabalhar. Eu sei que os valores são muito importantes e isso é que dita a personalidade da marca. Quando fiz a campanha da Nina Ricci, eu não conhecia a marca, mas nesse trabalho, em que eu já sabia que ia ser a cara da marca, e de acordo com o briefing que eu recebi, fui investigar. Nunca tinha ouvido falar honestamente. Nada, nada. Nem sequer sabia que existiam perfumes em forma de maçã. Mas quando eu cheguei ao trabalho, foi tudo muito tranquilo, puseram-me logo à vontade. Mostraram-me tudo o que queriam fazer e eu gostei de tudo e identifiquei-me. Foi mesmo fácil. Foi um trabalho em que aproveitei bastante.
P. Achas que és social? É fácil para ti chegar a um set e falar com as pessoas?
R. Não sou assim com toda a gente. Às vezes eu acho que tenho um radar. Há pessoas que, mesmo sem as conhecer, porque sou muito observadora... A pessoa do styling está ali a fazer as suas coisas e eu vou observar o que ela está a fazer, a forma como me veste, a forma como o fotografo faz a fotografia, a forma como o senhor do set está a preparar as luzes, e consoante isso eu identifico imediatamente se há alguma coisa com a qual eu não me identifico tanto. Não quer dizer que não vá falar com a pessoa, mas...
P. Read the room, não é?
R. Exatamente. Quando eu entro num set a primeira coisa que eu faço é cumprimentar as pessoas, e depois faço essa análise total das pessoas, do que eu vou fazer, do espaço. Perceber o ambiente em que estou inserida para depois conseguir tomar as melhores ações consoante o que me é pedido. Sou uma analista.
P. Hoje em dia, num dia off teu, o que é que gostas de fazer?
R. Ia dizer-te porque é que escolhi este sítio. A minha vida é muito agitada, por isso, o meu dia off é um dia de paz. Inclusive gosto deste sítio porque a minha vida é só ver prédios, máquinas fotográficas, pessoas a andar de um lado para o outro. Quando tenho dias para mim eu gosto de ver coisas simples, mas que me tragam qualidade de vida. O mar é o exemplo perfeito disso. Tu olhas para isto e é só mar. Tens ali um barco ok, mas é mar. Para mim o ser só mar é muito. Quando estou cá, gosto mesmo desta tranquilidade. Mas também tenho uma rotina. Um passo que eu nunca salto é nunca acordar sem fazer a minha skincare.
P. O que é que gostas de fazer?
R. Eu sou a pessoa mais simples do mundo no que toca a skincare e cenas de cabelo. Eu acho que quanto mais simples, melhor, por isso nunca inventei muito. Eu sei que a minha pele não é perfeita, mas prefiro o simples. Honestamente nem tenho tempo para andar com gua shas e massagens faciais.
P. Também sabes que vais chegar ao set e vais ter uma pessoa a tratar de ti, não é?
R. Sim, mas quando chegar a minha pele já tem de estar boa. Quero que olhem para mim e digam que não preciso de nada. Quando isso acontece eu penso “YES!”. Já houve vezes que não aconteceu. Quando era mais nova tive alguns problemas de pele naturalmente, e isso não acontecia claro.
P. E a alimentação?
R. Influencia bastante. Tenho cuidado, antes não tinha. Quando andava no secundário tinha um Burger King ao pé da escola e eu ia lá quase todos os dias. Tenho um metabolismo que permitia. Mas hoje em dia não faço isso. A alimentação é a coisa mais importante e isto é uma coisa em que eu acredito muito. Podes fazer os tratamentos que quiseres, podes treinar 100 vezes por semana, se não comeres bem não vais estar bem. Na altura, eu não tinha informação, não sabia o que era mau. Hoje em dia, conheço pessoas que me deram as ferramentas certas e tenho tudo o que preciso para fazer as coisas bem e comer bem. Como não aproveitar?
Na verdade, foi das maiores lutas que eu tive com amigos e família. Quem não é modelo, vê logo o ser modelo com a questão do não-comer. “Tu tem cuidado”. Eu senti isso, especialmente em almoços de família quando não queria sobremesa por exemplo, pessoas costumavam comentar que era por causa da carreira de modelo. E sempre respondi, nunca gostei desse comentário. É porque não quero e isso é razão suficiente. Se eu quiser comer, eu como. Eu é que sei e tenho a consciência tranquila, enquanto tiver, eu é que sei. Isto é o meu corpo, é a minha imagem e sou eu que tenho de me cuidar. Essa é a minha prioridade. Se eu não cuidar de mim ninguém cuida. E vamos ser sinceras, não é assim tão difícil. Se me vierem perguntar se eu preferia estar atrás de uma secretária a trabalhar ou se prefiro alimentar-me bem e cuidar de mim para ser modelo, para mim a escolha é óbvia. Não me imagino atrás de uma secretária, e sei que esses trabalhos fazem falta, mas não sou eu.
P. Essa calma que procuras, quando estás a viajar onde é que a vais buscar? Há alguma coisa que faças? Gostas de meditar? De fazer alguma coisa que te traga um bocadinho disto?
R. Oiço muito música. Inclusive, na última noite no México estive a ouvir música na banheira a cantar. 00h e eu a cantar no quarto. Mesmo relaxada a aproveitar o momento. Em momentos mais stressantes, lá fora, por exemplo em fashion weeks, que são semanas muito mais stressantes, eu tento encontrar a tranquilidade comigo no hotel ou em casa. Quando estou muito stressada, não gosto de sair à rua. Gosto de me recolher, de ouvir música, tomar um banho, relaxar, ler. Gosto muito de ler. Ver documentários.
P. Qual foi o último documentário que viste?
R. Na viagem em que vim para o México vi um documentário sobre os Queen e o Freddy Mercury, que é só das pessoas que uma das melhores vozes de sempre. Gosto muito de ver documentários sobre tudo, na verdade. Até de crimes, policiais, crimes reais mesmo. Serial killers e cenas estranhas, eu adoro. Acho que vem da parte de gostar de investigação. Quando era pequena via muito o CSI.
P. São quais as 3 caraterísticas principais que uma boa modelo deve ter? Para ser uma boa profissional desta área?
R. Ser organizada, responsável e boa pessoa. Ter essência é mesmo muito importante. Eu acho que tu podes ser a modelo que fotografa muito bem, mas se não tiveres aquela essência, aquele querer, já não vai ser a mesma coisa. Neste último shooting, estava com duas outras modelos e eu estava a aproveitar o shooting, estava mesmo, e elas dizem-me “mal posso esperar para ir para casa, estou farta disto”. Eu estou no México a trabalhar como modelo, tenho uma boa vida e estas pessoas que querem ir para casa? Claro que há trabalhos em que eu me quero ir embora, já aconteceu, mas fico perplexa. Cada um tem o direito de pensar o que quiser, mas dá-me que pensar.
P. Tu cá vives com os teus pais?
R. Com a minha mãe e com o meu irmão. Já estou a pensar mudar de casa. No meu trabalho, estou sozinha, e eu aprendi a fazer isso. Quando estou fora, faço a minha comida, as minhas coisas. Às vezes é um bocado difícil, especialmente em registo de fashion week, mas aprendi e gosto. Dou valor a estar sozinha porque sou da opinião que se não sabes estar sozinha, então não sabes estar com ninguém. Ter tempo sozinha e depois estar com amigas é um espetáculo. Quando vou on stay para outros países e fico em apartamentos, às vezes estou a cozinhar, dou por mim a pensar que sou uma pessoa mesmo organizada (risos), lavo loiça, roupa, é engraçado. Também pode ser difícil porque é diferente chegar a casa e ter a comida feita. Quando estou fora não tenho isso, mas eu crio isso. Uma pessoa tem que se desenrascar, especialmente nesta profissão.
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Lugar de calma, consciência e desaceleração (ao mesmo tempo que abriga todas as efervescências do ser humano), o Orto é a prova de que os sonhos – por mais audazes que nos pareçam ao início – são capazes de dar certo.
Como surgiu a ideia de criar o Orto? Qual o ponto de partida e em que assenta o projeto?
O Orto foi uma ideia ou intenção que se foi desenvolvendo ao longo dos últimos 15 anos. No início era sobretudo um sentimento de busca de um ideal, de um modo de vida e partilha. A materialização dessa ideia aconteceu em 2018 quando eu e a minha família nos mudamos para esta casa. No início a procura residia em torno de um espaço próximo da terra e num ambiente natural, onde houvesse “espaço” para ser criativo, viver em comunhão com a natureza e puder partilhar esse momentos com outros.
O projeto Orto assenta em princípios que consideramos para a essência de uma vida plena e gratificante:
- Contacto com o natural. Terra, água, sol, chuva, plantas, animais.
- Explorar esse modo de vida com um sentido criativo. Plantar, tratar da terra, recuperar e restaurar espaços, preparação de alimentos, pintura, design, fotografia, filosofia, etc…
- Partilhar, transmitir, dar e receber. Proporcionar espaços e momentos de partilha e trocar de ideias, sentimentos e experiências com outros.
O que tem o Orto de único? O que o torna especial?
As pessoas que criaram estes espaços, esta casa; que plantaram estas árvores, deixaram um contributo para tornar estes espaços de certa forma especiais. À parte da sua implantação, exposição solar e relação privilegiada com a paisagem agrícola e natural, assim como a sua relação de proximidade com o mar (10m), o Porto(30m), o especial deste espaço será sempre as pessoas que por aqui passarão.
As fotografias do espaço transmitem algo raro nos dias de hoje: a possibilidade de um lugar de paz, como se fosse possível parar no tempo. Quais as sensações ou experiências que são possíveis assimilar no Orto?
Essa lentidão na fruição, desacelerar, para simplesmente ser, é muito importante. A sensação do passar do tempo, a relação com espaços antigos, velhos e ao mesmo tempo cheios de vida; sentimentos nostalgia e ao mesmo tempo energizantes, como que nos fazem olhar para nós próprios com uma preceptiva de espaço / tempo diferente… Acalma e apazigua, como que justificando a não urgência, e dando ênfase ao momento agora.
Orto propõe-se a ser também um lugar e momento de reflexão, e de ligação com nós próprios. Para além da ligação direca da palavra Orto com Horto e Horta (pequeno pedaço de terra, entre paredes, para produção de alimentos), orto significa o nascimento de um astro, origem.
Vimos que é um espaço também dedicado à cultura e arte. De que forma incorpora estas vertentes no projeto e que acontecimentos já se deram no Orto, que queira destacar?
Estamos a criar um espaço dedicado à partilha de ideias, experiências. Partilha da natureza e dos alimentos.Dentro de uns anos contamos estar a funcionar com espaços de residências, workshops e tertúlias, eventos e exposições. Dentro de dois anos, ter as outras valências e espaços prontos.
Este projeto é também um processo, e a criação deste Orto é já por si um objetivo. Durante a criação deste espaço estamos a viver e experimentar o conceito a uma escala mais pequena.
Para além dos vários voluntários que já passaram por cá para contribuir para a criação, já tivemos duas residências de artistas com alguns coletivos do Porto.
A ideia é ter um espaço dedicado à cultura e arte e todas as relações que dai advém, humanas e ou metafísicas. Pretendemos ter um espaço para poder receber cerca de sete residências de longo termo, workshops bimensais e uma equipa de cinco voluntários. O acesso a este espaço a todos é essencial, por isso uma parte das residências será de acesso livre. Queremos ter atividades e artes transversais e ligadas entre si. Artes plásticas, filosofia, culinária, dança, paisagismo, botânica, arquitetura, biologia, musica, etc.
Team
Cabelos Rui Rocha
Maquilhagem Patrícia Lima
Assistente de fotografia Michael Matsoukas
Assistente de styling Maria Sampaio e Paula Serrano
Vídeo Raul Sousa
Retouching Joe Hunt e José Paulo Reis @Lalaland Studios
Catering Boba Kitchen
Location Orto Place
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