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Entrevista por Patrícia Domingues
Fotografia por Frederico Martins
Styling por Sérgio Onze
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Há anos que tentam denominar a star quality, mas é um pouco como a história das bruxas – mesmo para quem não acredita, que las hay, las hay. Falar com Daniela Ruah é como entrar num caldeirão qualquer de uma poção mágica onde o sorriso soa a conforto, as frases saem no tom certo, os pensamentos fluem com uma naturalidade que nos faz desligar o zoom com uma sensação de bem-estar. Ela muito provavelmente não se revê nesta descrição hiperbólica: é que apesar de a conhecermos da televisão, ela é a mulher que leva os filhos à escola, que conta piadas parvas, que ainda fala com os mesmos amigos de infância e que decidiu o seu futuro amoroso num primeiro encontro entre um copo de vinho e uma conversa séria. Só podia, ela que vê sempre o copo meio-cheio e que nos contagia com a mesma crença sincera. Las hay, las hay: a aura de uma verdadeira estrela existe, só não se sente pelo ecrã. É cara-a-cara.
SOLO: Olá, Daniela, como está? Está por cá ou já voltou?
DANIELA RUAH: Não, voltei logo a seguir ao Tribeca Film Festival. Voltei logo no domingo de manhã porque eu já tinha estado em Portugal durante um mês a trabalhar, por isso não quis ficar longe mais tempo do que seria preciso.
S: Como foi a experiência no Tribeca? Como viu a vinda do festival para aqui e qual a sensação que teve ao ocupar, no fundo, um papel de ligação? Entre estes dois mundos.
DR: Olha, foi uma experiência super positiva. Acho que, dado que foi a primeira vez que o Tribeca veio a Portugal, nunca fomos anfitriões de um festival de cinema desta dimensão. Foi uma honra não só tê-los aqui, com a Jane Rosenthal, o Robert De Niro, o Chazz Palminteri, e os atores que vieram todos - atores e realizadores -, como poder também mostrar um bocadinho do que temos cá e partilhar isso com eles. Foi bom termos misturado os painéis, ter artistas portugueses, tanto como os americanos, no mesmo painel de conversa, porque, obviamente, as nossas experiências são muito iguais, em alguns sentidos, e muito diferentes noutros, e podermos aprender uns com os outros. E acho que, pelo que percebi, já foi confirmado que no próximo ano vai haver o Tribeca Film Festival outra vez em Lisboa, o que é incrível. Se calhar, fez falta mais um bocadinho de cinema e curtas-metragens e longas-metragens, já que é um festival de cinema. Mas, sim, acho que correu super bem e acho que para o ano ainda vai ser melhor.
S: Uma das talks que participou está relacionada com esta jornada de atores que passam para ‘o lado’ da realização. E era um dos temas que gostava de falar, obviamente, porque há aqui um shift, que já não é de agora. Foi mais ou menos há 4/5 anos que houve esta sua transição?
DR: Foi. Eu acho que a decisão da minha parte foi antes de 2020. A concretização dessa vontade acho que foi em 2020 mesmo, quando estávamos a gravar a série, ou seja, atirei-me logo. Acho que foi uma decisão de cabeça para a parte mais funda da piscina, porque não só já é difícil aprendermos um skill que seja diferente daquilo que estamos habituados, como foi durante a Covid. Portanto, tinha imensas restrições. A quantidade de atores que podia ter numa cena, onde é que se podia gravar, a quantidade de figurantes que podia ter numa cena, tudo isso altera a parte estética e visual. Logo no meu primeiro episódio, que gravámos numa feirinha, como se fosse uma espécie de feira popular em Santa Mónica. E, obviamente, como foi no meio da Covid, só me deram 5 ou 6 figurantes. Como é que eu posso preencher um espaço que, tecnicamente, é suposto estar cheio de famílias, com as coisas de diversão e os, como é que se chama, não é carrinhos de shotgun, faltava-me a palavra... Os rides.
S: Os carrosséis, será?
DR: Os carrosséis! Aquilo devia estar tudo a funcionar e cheio de crianças e famílias. E nós não tínhamos essa possibilidade... E então, o que é que aconteceu? Fui obrigada a ser muito mais criativa na forma de filmar a história, de maneira que o público em casa sentisse que aquilo estava cheio de gente, quando no fundo tínhamos muito poucas pessoas. Aproximei mais, fiz planos mais apertados dos atores, portanto, viam-se menos coisas lá atrás, ligámos as máquinas todas que é para haver movimentação, íamos trocando de roupa e de cabelo aos figurantes que tínhamos, que estavam de costas, por vezes estavam de frente, portanto, isso também já cria um bocadinho de diversidade. E depois, adicionar em pós-produção o som de crianças e famílias e risotas e gritos e as coisas habituais de uma feira popular. Basicamente, eu acho que aí o cérebro do público depois preenche os espaços. Essas limitações de me ter atirado para a parte mais profunda da piscina logo de início também me forçaram a ser mais criativa e a ser um mais problem solver - o que como realizadora é muito bom, porque todos, por mais bem preparadas que estejamos, o dia inteiro é problem solving.
S: A parte também de produção, não é? Quase, de muito mais envolvimento, acho eu, do que o papel de ator que tem uma máquina a funcionar à volta, não é?
DR: Como atores temos um trabalho. Representarmos a personagem, chegamos a horas, sabemos as falas, temos uma interação positiva com os nossos colegas, tanto à frente como atrás das câmaras e fazemos a nossa parte. Mas, no fundo, o meu trabalho como atriz é contar a história da minha personagem. Já um realizador tem que ter o arco inteiro na cabeça em que a jornada de cada personagem e a forma visual de representar essa jornada é coesiva e faz sentido. E pensar em ter material suficiente para depois na edição poder fazer aquilo que quero fazer. Imagina, já aconteceu várias vezes pensar: ‘vou filmar isto desta maneira, mas vou fazer este outro plano por segurança’. E já houve várias vezes em que errei o filme. Tinha na cabeça uma ideia e cheguei à edição e não deu para fazer. Portanto, ainda bem que eu tinha aquele outro plano de segurança para me salvaguardar. Ainda mais em televisão onde não temos a última palavra. Filmamos, vai para o editor, depois passa para as minhas mãos como realizadora, depois passa para os produtores, depois passa para o canal para aprovar. Por acaso, tenho tido sorte que até hoje nenhum dos episódios que filmei ficou assim tão diferente da versão que eu entreguei. Também faço questão de perceber o mais possível o que é que os produtores querem, gostam e exigem daquele episódio, sem perder a minha própria voz. Identidade. Digamos assim, identidade. Quando entrego as coisas já é com muita instrução da parte deles, porque assim, ao fim e ao cabo, um episódio num mar de episódios em séries que já cá estão há anos e anos e anos, tem que enquadrar naquilo que já existe, não é? Ou seja, há uma caixinha de areia. É onde as crianças brincam. Tem os seus parâmetros e as suas paredes. Agora, constrói o castelo que tu quiseres dentro dessa caixinha, mas não podes é sair da caixa porque senão depois parece um episódio de outra série qualquer.
S: Que tipo de voz é que tem percebido que tem criado ou que está a construir? Que identidade é essa?
DR: Isso é uma boa pergunta. Acho que ainda estou à descoberta da minha voz e acho que só a irei encontrar mesmo quando produzir e realizar um projeto que seja mesmo meu, que não seja eu a trabalhar para outra pessoa. Porque enquanto eu estiver a trabalhar para outras pessoas, para séries existentes, a voz da série já existe. Por isso, aquilo que sinto que são as minhas forças está muito voltado para a forma de comunicar com os atores. Pode parecer óbvio porque venho dessa vertente, mas é mais difícil do que eu pensava. Entrei um bocadinho convencida de que a parte de lidar com atores ia ser fácil. Eu sou atriz, sei como é. Mas no momento em que eu passo de frente da câmara para atrás da câmara, já não somos da mesma equipa. Foi muito interessante essa transição e só me apercebi disso quando aconteceu. Não é uma questão de alguém me desrespeitar, nada disso, mas já não estou em pé de igualdade daqueles que estão à frente da câmara quando me põem atrás dela. Tudo bem, visto esse papel perfeitamente. Aquilo que eu sei fazer bem é falar com atores, comunicar com eles e perceber, mesmo com pessoas que conheço pela primeira vez, quais é que são os ‘botões’ desta pessoa, onde é que eu posso carregar para sacar o que preciso na cena. Há pessoas que não é preciso, que chegam lá e já estamos na mesma página de pensamento. Há outras que querem que diga... São todos diferentes, pronto. Já me esqueci da tua pergunta original [risos]
S: Era isso, era a voz, a identidade, ou seja, também as mais-valias.
DR: Sim, sim, sim. Em termos da minha voz, acho que isso vou encontrar quando criar um projeto meu, que estou em fase de criação de dois projetos que eu gostava que avançassem. Um serie de episódios e outro é uma longa-metragem.
S: Tem a ver com estes livros que comprou os direitos?
DR: É isso mesmo. A longa-metragem seria para realizar e a série idealmente seria para entrar mesmo, porque gostei da personagem e tem a ver comigo. Tem a ver comigo? É diferente, mas é um desafio que eu gostava de fazer.
S: Não revelando os projetos específicos, que tipo de histórias são essas?
DR: Uma chama-se Nowhere Boy e é uma história sobre um miúdo americano a viver em Bruxelas, cujo pai foi transferido para lá porque trabalha para a Nato. Passa-se em 2015, no auge da entrada dos refugiados sírios, principalmente, na Europa e, em paralelo, temos a história de um miúdo sírio, mais ou menos da mesma idade - os dois têm 13, 14 anos - que se encontra em Bruxelas porque fugiu da Síria, a família morreu, o pai desaparece durante a jornada e ele fica sozinho, e acaba por viver não é no sótão, é ao contrário...
S: Na cave?
DR: Na cave! Na cave da casa onde este miúdo americano está a viver. E este miúdo americano tem os seus próprios problemas, obviamente o miúdo sírio, por motivos óbvios, tem os seus problemas, e com culturas diferentes, línguas diferentes, religiões diferentes, tudo, acabam por criar aqui uma amizade em que existe a linguagem comum de todos nós - nós só queremos ser aceites por quem somos, e só queremos amor e queremos carinho, e todas as crianças só querem ir para a escola. Os miúdos são os heróis da própria história, em vez do sensacionalismo e das decisões que nós como adultos tomamos muito com base no medo, e por vezes esquecemos que devíamos estar a tomar decisões com base no amor. É uma história coming of age, ou seja, de crescimento pessoal. Estou super entusiasmada, comprei o livro há uns cinco anos atrás. Eu leio muito aos meus filhos e gosto muito de ler, e estava numa livraria, aqui, das poucas que ainda há no Amazonas... De vez em quando, quando não há escola ou está um dia de chuva, vamos passar uma tarde à livraria, os miúdos adoram, e ficamos ali a ler livros e a escolher. Fui à zona de Young Adults e vi um livro com capa roxa, puxei, li a parte de trás, li a primeira página e pensei ‘este livro parece-me interessante’. Comprei o livro, comecei a ler e amei o livro, ‘isto tem que ser um filme, este livro é demasiado bonito, tem uma mensagem demasiado universal e bonita, e preciso mesmo de contar esta história’.
S: É este tipo de histórias que tem interesse em contar?
DR: Esta história é sobre a amizade. E sobre o mundo ter uma perceção nossa que pode não ser necessariamente verdade e como é que nós nos transformamos, não naquilo que o mundo diz que somos, mas naquilo que nós sabemos que podemos ser. Porque muitas vezes o mundo diz-nos, ‘tu és assim, tu és assim, tu és assim’, e acabamos por nos convencer disso.
S: Esta mudança de atriz para realizadora fê-la também repensar o seu papel enquanto atriz? Há uma perceção diferente do seu papel?
DR: Não necessariamente uma perceção diferente do meu papel, mas sim percebo melhor como é que eu posso ajudar o dia a andar para a frente. Ok. Portanto, sim, absolutamente. E não é só isso. A forma como eu faço o breakdown de um guião agora, é diferente daquilo que fazia quando era só atriz. Lia o guião, depois ia às minhas cenas e via o que é que podia fazer nas cenas, e o que é que veio antes e o que é que veio depois. Agora, como realizadora, para já, também fiz um curso de escrita. Não porque eu quero escrever, mas porque eu quero perceber qual é que é a estrutura. Porque todos os guiões têm uma estrutura. Há quase um blueprint da estrutura de todos. E eu não sabia interpretar um guião dessa forma quando era atriz, ou não me dei ao trabalho de ver. Agora consigo olhar para um todo e pensar assim, ‘espera aí, se este é o momento em que vai marcar o resto do filme, porque aconteceu isto, ou esta personagem apaixonou-se aqui, ou alguém morreu aqui’. E agora como atriz eu identifico isso, quer eu entre nessa cena ou não, e já sei que o ritmo a seguir a esse momento tem que ser diferente daquilo que estava antes. Mas isso agora é permitir a minha criatividade como atriz, e perceber como é que eu posso melhorar o filme. Não porque eu quero ser a estrela, mas como é que a minha participação pode fazer com que esta história seja mais bem contada.
S: Essa vontade de realizar, li que também esteve relacionada com o facto de fazer há muito tempo a mesma personagem, e de ter alguém, não sei se foi o seu marido, que a questionou sobre outras coisas: se não fosse atriz, o que é que estaria a fazer.
DR: Foi o meu marido. Ele já sabia que quando acabasse a série, se eu ficasse sem trabalhar, ia dar em maluca [risos]. Mas isso também nunca iria acontecer, porque eu sempre disse que queria fazer um mestrado. Portanto, eu sempre soube que se eu não tiver nada pra fazer, vou arranjar coisas para fazer.
S: O mestrado também na área?
DR: Provavelmente, sim. Então, agora que encontrei a realização, provavelmente investiria o meu tempo em qualquer coisa que tivesse a ver com isso. Por outro lado, querer fazer o mestrado, vem de uma vontade muito antiga minha, de nunca querer ficar atrás dos meus pais em termos de educação. A minha mãe tem o mestrado, o meu pai obviamente tem um doutoramento, como médico, e então sempre disse a mim própria, que nunca iria ficar atrás dos meus pais. Mas pronto, comecei a trabalhar tão cedo, nunca foi preciso, fiz o curso universitário, estudei um ano em Nova Iorque e depois disso nunca senti necessidade de voltar a estudar - estava sempre ocupada. Portanto, sim, o meu marido foi tipo, ‘eu só preciso de saber o que é que tu podes fazer que vai fazer-te sentir feliz e realizada, sem ser a parte da representação, se isso acabar ali depois da série’. E foi uma pergunta lógica, não foi falta de confiança na minha habilidade de continuar a trabalhar, nada disso. Nós somos super realistas nesse aspeto: qual é o nosso plano de vida? Se não dá para ali, tudo bem, viramos, problem solved, segue-se o outro caminho. Somos super práticos, e com os miúdos também. E além disso, isto chama-se show business. Show, para a parte criativa, business, porque é um negócio, quer queiramos, quer não. É o que é.
S: Mas é importante, dentro do business, ter coisas que a alimentam, estar orgulhosa daquilo que está a fazer, sentir-se preenchida? Há esta parte aqui também de uma certa realização pessoal, relacionada com o trabalho, e com aquilo que está a fazer, mas depois, por outro lado, como também disse há pouco, a parte da família.
DR: Às vezes eu recebo aquela coisa do ‘a série acabou, e como é que é com o trabalho? Há trabalho agora?’ Aquela coisa em que inclinam a cabeça para o lado com pena. Não vale a pena terem pena, eu estou tão bem, estou tão feliz neste momento, a ter tempo para a parte criativa que quis fazer já há muito tempo, e além disso, levo os meus filhos à escola todos os dias, vou buscá-los todos os dias, levo um para uma atividade, levo outro para outra, uma faz ginástica, o outro faz futebol, e depois há o boxe, e depois há o violino...São muito ativos os meus filhotes. E mais a quantidade exorbitante de trabalho de casa.
S: Certo, que depois calha muitas vezes aos pais.
DR: A escola deles é muito rigorosa e então desde o primeiro ano que têm trabalho de casa. Tenho vários amigos cujos filhos é tipo, ‘ah não, só começam a ter trabalho de casa no quarto ano’, e eu, hum, não. [risos] Por isso eu estou tão feliz, estou tão, sinto-me tão realizada, porque o meu filho nasceu na quinta temporada, a minha filha na oitava temporada, e foi ótimo estar a trabalhar. Mas ao mesmo tempo, sempre estive 100% presente, quem me conhece e quem vê nas redes sociais, sabe que eu sou uma mãe super ativa, e o meu marido também super ativo, hum, mas por vezes, o nosso horário não nos permite fazer e participar nas coisas que queremos, é o que é. E agora consigo fazer tudo. Portanto, apesar de estar em pausa em termos de trabalho, sinto-me super realizada como mãe, como mulher neste momento, e eu estar mais presente, também permite ao meu marido poder ir fazer mais coisas, coisas que ele gostava de fazer e que esteve um bocadinho, se calhar, em pausa, ou desacelerado, porque eu estava a trabalhar. Isto é uma equipa.
S: E nós não temos só um papel, não é? Até porque eu também já li que, para a Daniela aceitar algum trabalho, sendo mãe, mulher e amiga, e tendo essas várias outras funções, tem que ser algo que efetivamente a preencha criativamente, não é? É criteriosa. Foi uma coisa que foi aprendendo - a dizer que não, a criar as suas prioridades, ou sempre teve muito presente dentro de si?
DR: Não, eu acho que qualquer pessoa criativa na nossa indústria, sabe que o trabalho é difícil de arranjar, porque é - muitas vezes podemos ficar desempregados durante muito tempo, e mesmo entrar na indústria pela primeira vez é muito difícil quebrar. Por isso, obviamente, para nós, quando estamos a começar as carreiras, sentimos que tudo o que vem à rede é peixe. Ou seja, este trabalhinho aqui, eu já ouvi dizer que este realizador ou este ator não é uma boa pessoa a trabalhar, mas eu preciso trabalhar e quero, e se eu dizer que não a este pode ser que não volte a trabalhar depois. E ao longo do tempo, e eu acho que com a maturidade, vamos percebendo que isso não é verdade e por vezes temos que dizer que não a algumas coisas. O não tem muito valor e é das coisas que mais digo aos mais novos que me vêm perguntar conselhos. Se há alguma coisa em que não nos sentimos bem, ou que não concilia com os nossos valores, o que quer que seja, não há problema nenhum em dizer que não. Se vem uma oportunidade, há de vir outra. E se não vier essa oportunidade, é criarmos. Ninguém nos impede de pegar um papel e uma caneta e de escrever um guião. Ninguém nos impede de pegar um grupo de amigos criativos e fazer qualquer coisa. Então, com a qualidade dos telefones que temos hoje em dia, não há razão para alguém estar parado quando quer andar a fazer qualquer coisa. Cria tu o teu próprio ambiente, que é o que eu tenho estado a fazer. Há tantas coisas que estão fora do nosso controlo que o mais seguro, para nos sentirmos bem e com essa criatividade a fluir, é sentares-te à mesa e criares. Pode não ir para a frente, pode ir, mas pelo menos estamos a fazer qualquer coisa.
S: O que é que estimula essa sua criatividade? O que é que gosta de ver, de fazer, em que é que vai buscar, pode ser outras pessoas, ou projetos, ou exposições?
DR: Não há nada que seja específico. O que acontece hoje em dia, por exemplo, é sempre que eu leio um livro, antigamente lia só para o prazer, e hoje em dia sempre que eu leio um livro já é com o intuito de transformar isto em qualquer coisa. Será que a história me puxa? Será que a história me excita? Sou super fã de livros de crime.
S: [risos] Ok. Não há surpresas aí.
DR: Crimes, assassinatos, mas ficção, ficção. Por outro lado, dependendo de quem é, acho que algumas biografias me inspiram imenso. A biografia da Viola Davis - ainda por cima, o audiobook é lido por ela mesmo, então sentimos mesmo tudo o que ela quer que nós sentimos. A biografia do Oliver Stone também me inspirou imenso. Mas depois se calhar leio um artigo no jornal. Se calhar há uma história que alguém me contou que me ficou na cabeça naquele momento. ‘Ah, que engraçado. Se esta coisa acontecesse, o que é que viria antes e o que é que viria depois? Porque esta cena dava uma coisa gira’. A inspiração vem de todo o lado.
S: Esse clique dá-se quando visualiza?
DR: Estou 100% visual. Por isso é que eu acho que me custa escrever. Porque eu sei o que é que eu quero, eu sei qual é que é a sensação da cena e o visual da cena, mas depois pôr isso em diálogo... Bom, para já porque também dizia que nunca ia realizar e agora tenho uma paixão enorme por essa arte. Portanto, já aprendi, nunca digas nunca. Por outro lado, às vezes estou no carro e ponho música do Hans Zimmer ou do John Williams ou tipo dos grandes compositores de cinema e de repente começam-me a entrar cenas aleatórias na cabeça.
S: No Tribeca fizeram-lhe uma pergunta sobre o que diria o seu eu mais novo, que até brincou ao responder ‘isto não é o Alta Definição’. Mas depois estava a ler a sua história, quando saiu da faculdade e estava a querer só trabalhar para perceber o que é que iria fazer, foi trabalhar até para a discoteca Coconuts e eu sendo de Cascais adorei a referência...
DR: Não só trabalhei no Coconuts, como me casei no Coconuts.
S: Não acredito.
DR: Casei-me no farol, sim, casei-me no espaço. E o meu marido só dizia assim ‘não vais dizer a nenhum dos nossos amigos americanos que nos casámos num espaço chamado Coconuts’ [risos] Já nem se chama Coconuts.
S: [risos] Mas bom, eu fiquei a pensar nesta evolução e que dentro desta Daniela agora – a mãe, mulher, a realizadora e a atriz com esta carreira toda - vivem todas estas diferentes pessoas e todas estas experiências todas. De que forma é que ainda se relaciona com essa pessoa? Com essa Daniela que casou no Coconuts?
DR: Relaciono-me sim, absolutamente, porque acho que não mudei muito desde essa altura. Amadureci, como é óbvio, mas o meu sentido de humor que é de família e é muito disparatado e muito infantil mantive. Naquilo que é mais importante não mudei nada porque sempre tive objetivos, sempre fiz planos para o futuro, sempre soube exatamente o que é que queria fazer, sempre soube exatamente quem é que queria ser, sempre soube que tipo de família queria criar. Isto parece quase robótico, mas não é, quem me conhece sabe perfeitamente que eu não sou assim. Mas acho super importante visualizarmos aquilo que nós queremos para a nossa vida. E eu fiz isso. E por acaso tive, sei lá, sorte ou estava preparada quando as oportunidades se apresentaram. Mesmo em relação ao meu marido, eu encontrei exatamente aquilo que eu imaginava em miúda que a minha família poderia ser. Os meus pais são divorciados, tudo resolvido, são amigos, tive uma infância muito pouco traumatizada, e nunca tive uma ideia negativa do casamento, nem das relações. Aliás, sempre vi os meus dois pais procurarem a felicidade, e se não era um com o outro, era com os seus parceiros. E portanto não fiquei envenenada em relação ao casamento, mas sabia exatamente o que é que eu queria. Queria um marido que fosse ativo com as crianças, que quisesse filhos e isso é importante saber desde o início. Nós somos os dois super pragmáticos, começámos a andar, fomos passar um fim de semana pela primeira vez os dois, e sentámo-nos a uma mesa num restaurante libanês em Santa Bárbara, aqui na Califórnia, e foi tipo, ‘vamos lá por os pontos nos i's e ver o que é que é importante para cada um’. Tivemos logo uma conversa de início de, ‘não sabemos se isto está para durar, logo se vê essa parte, mas pelo menos temos que saber que o futuro que cada um quer, coincide, porque senão, então isto não vale a pena.’
S: Muito práticos.
DR: Práticos, mas muito românticos, há espaço para tudo. Santa Bárbara, bem linda, com uma garrafa de vinho e uma conversa séria, por favor. [risos] Também somos muito infantis e disparatados aqui em casa, mas as coisas mais importantes têm que se falar logo no princípio de uma relação, especialmente já estamos na casa dos 20 e muitos, 30, em que não se pode ter medo dessas conversas, percebes? Agora é, deixa ver se o teu individual funciona bem com o meu individual - e funcionou super bem, porque ele apoia-me muito, ele percebe, percebemos que o trabalho é importante para nós, e estar presente para os meus também. Eu estou a trabalhar e ele, ‘I got the kids, don't worry’, ele, ‘tenho que ir viajar’, e eu ‘I got the kids, don't worry’. Mas foi muito engraçada essa objetividade dos dois, e depois deu para relaxar, já nem lembro qual é que foi a pergunta original, começou com a Daniela do Coconuts, sim [risos], acho que sou a mesma pessoa, sim, sou super fiel aos meus amigos de sempre, ainda hoje os meus amigos de infância são os meus melhores amigos, e falamos com frequência, semanalmente, e, pessoas que são meus amigos desde a primária, mesmo são os meus melhores amigos ainda.
S: E agora sendo pragmáticos, o que é que visualiza de futuro?
DR: É tentar concretizar estes dois projetos que eu estou a fazer e ir procurando mais para fazer. Os meus objetivos já não são tanto a longo prazo mas mais a curto prazo, quero fazer estes projetos agora no próximo ano, vou mandando os meus castings para ver o que é que sai daí. Mas é isso, continuar a batalhar e a criar enquanto procuro trabalho.
S: Mas tem uma certa calma nesse futuro.
DR: Hmm, sim, sinto-me calma, porque tive 14 anos de uma coisa muito bonita e sinto-me tão incrivelmente grata por isso. E agora, mais importante que tudo, é ver os meus filhos crescer. Se eu conseguir trabalhar ao mesmo tempo que estiver a ver os meus filhos crescer e a suceder no desporto e academicamente e tudo... Eu sou aquela idiota que vê sempre o copo meio cheio. Não quero dizer idiota, mas é essa a verdade. No outro dia virei-me para o meu filho, queria fazer-lhe uma pergunta específica sobre qualquer coisa, e eu disse, ‘River, sabes porque é que eu estou feliz?’ E ele não percebeu que eu estava a fazer essa pergunta em relação a uma coisa que ele tinha feito, ele disse ‘sim, sei, porque tens sempre o copo meio cheio’ e eu, ‘não, sim, mas não, não era isso que eu ia dizer’, mas ele próprio já sabe que isso é a minha cena. Às vezes é importante termos o nosso copo meio cheio, mas depois o mundo à nossa volta também encher um bocadinho o nosso copo, lá está, aquelas coisas não controlamos.
S: Todos estes avanços do empoderamento feminino, dos direitos das mulheres também contribuíram para ‘ encher o seu copo’, no caso poder dar esse passo de escolher a realização agora e de estar a experimentar outras coisas. Que coisas neste momento gostava que no futuro fossem melhoradas a nível social e que vê que pudessem criar um novo patamar, não só especificamente para si, mas de uma forma geral até para os seus filhos ou para futuras gerações?
DR: Sim, claro, gostava que este movimento de empoderamento feminino continuasse. Como é que explico isto? Claro que sim, mas por outro lado, também sou apologista de ter um equilíbrio, ou seja, eu percebo perfeitamente passarmos de um pêndulo extremo de ser difícil como mulher ou como pessoa não caucasiana arranjar trabalho em certas áreas e agora estamos a andar para o lado contrário, em que toda a gente procura ou mulheres ou pessoas de culturas diversas que não sejam caucasianas necessariamente. E o que é que acontece? Há muitas pessoas que estão a trabalhar porque merecem e finalmente têm a porta aberta, eu considero-me uma dessas pessoas porque eu sei que faço o esforço e mereço o trabalho que tenho feito. Por outro lado, eu tenho amigos que são homens caucasianos, de meia idade, que no fundo é o grupo que as pessoas se querem afastar mais porque foi o grupo que esteve no poder social durante mais tempo, não é? E tenho amigos que merecem muito, muito, estar a trabalhar e não estão porque neste momento estamos numa fase de dar trabalho a outras pessoas. Por outro lado, para reconhecermos mulheres e pessoas de cor, seja ela qual for, também temos que dar anos de prática a essas pessoas para mostrarem que podem desenvolver. Claro, porque o problema também é que com movimentos e oportunidades na história em particular houve menos prática, menos treino e só podemos dar essa prática em treino ao dar trabalho. Portanto, há vários motivos e pode-se discutir os prós e os contras de absolutamente tudo. Eu acho que este movimento é importante, tinha que acontecer, tinha que haver este shake-up social e agora quero ver a altura em que as coisas começam a equilibrar.
S: Há aqui um projeto que é o da série Equalizer que acabámos por não falar e a série do Leonel Vieira, esses serão os próximos trabalhos a terem visibilidade, certo?
DR: No caso do Leonel, não posso revelar muito. Mas temos um elenco maravilhoso e o que eu posso dizer é que é uma personagem muito diferente daquilo que tenho feito ao longo dos anos e trabalhar com o Leonel Vieira foi muito positivo para mim - duro e positivo, mas duro porque eu vinha do papel de agente Kensi com muitas manias e muitos vícios daquela personagem. Aquela personagem é uma mulher forte, tem muito trabalho, tem certas reações ou certos maneirismos físicos e o Leonel foi incrível ao ajudar-me a quebrar esses vícios e a não fazer certas coisas que já eram automáticas. ‘Porque é que estamos a pôr as mãos na cara? Porque é que estamos a fazer estas movimentações?’ Há uma certa pressa e ritmo a que eu estou habituada e aqui o Leonel estava-me a dar mais tempo e espaço para simplesmente ser a personagem e foi duro para mim, mas muito bem-vindo. E senti que este foi o papel que me vai ajudar a quebrar, a afastar-me, a cortar o cordão umbilical da Kensi por completo - no bom sentido. E depois, claro, como ele é um realizador fenomenal, também tive a oportunidade de o ver a trabalhar. E ele sabe de história de cinema e é muito culto mesmo. Gostei muito de trabalhar com ele. As imagens que eu consegui ver ficaram super bonitas e é uma história importante e vai apontar uma lanterna a algumas situações sociais que merecem atenção. Depois, em relação ao Equalizer, vou realizar um episódio em janeiro. Não tenho guião ainda, portanto, não sei. De qualquer maneira, já vi alguns episódios e gosto muito da Queen Latifah e da sinergia entre ela e as duas personagens de casa, da filha e da tia. E lá está, por falar em empoderamento feminino, temos aqui um elenco em que as três principais são mulheres e mulheres de cor e fazem papelão e identificamos com elas e preocupamo-nos com a história e com aquilo que vai acontecer que é o mais importante.
S: Por falar no que vai acontecer, hoje está a ser um dia importante para o mundo [eleições de 2024 nos Estados Unidos]...
DR: Está a ser um dia interessante para o mundo, de certeza. É ver o copo meio cheio, pronto, é isso.
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AIN'T NO MOUNTAIN HIGH ENOUGH PARA O DEFENDER
Eficiente, aventuroso, confiável – se estas três palavras não o fazem querer carregar no acelerador os seus green flags precisam ir à revisão.
O tempo foge por entre os dedos. Entre a vida, o trabalho, o lazer, quando é que deixámos de acreditar que é possível fugir à aventura? Para os condutores de um Defender, o espírito livre mantém-se mesmo quando estão sentados à cadeira do computador. Não é sobre logos, status ou dinheiro – é sobre as nossas escolhas refletirem quem somos. É sobre pegarmos no volante da nossa trajetória com as duas mãos. Isto tudo sobre um carro? Sim, como o é sobre a roupa que colocamos no corpo ou o que preparamos para o jantar. Ainda sobre ‘nãos’, não é sobre consumismo – é sobre facilitar o nosso dia-a-dia através de consciência e, pelo caminho, divertirmo-nos à brava.
Para perceber do que falamos recuamos até 1947. Enquanto o mundo sofria com os impactos pós-guerra, Maurice Wilks, diretor de engenharia da Rover e agricultor, transformou a crise em oportunidade. A ideia era audaciosa: criar um veículo capaz de fazer a diferença na vida dos que o conduzissem. O resto já se pode dizer que é história – atualizada a cada novo lançamento. 2024 e o Defender continua a preencher todas as necessidades, agora do século XXI, mantendo o seu ADN original de máxima resistência. Tão funcional quanto apelativo, tão icónico quanto moderno, tão resistente quanto adaptável.
Desenhado tanto para resistir à passagem do tempo quanto para se manter à frente dele, o Defender é equipado com a tecnologia mais avançada, trazendo informação e entretenimento enquanto nos fazemos à estrada. Perito a testar todos os limites, este modelo é capaz de ultrapassar as condições mais adversas (areia, lama ou neve, nada o para), com confiança absoluta. Dúvidas houvessem, se o Defender chegou ao topo da cidade de Mane Bhanjang, no Himalaia indiano, como é que não o vai ajudar a chegar onde quer que precise?
Equipa
Maquilhagem Elodie Fiuza
Cabelos Cláudio Pacheco
Assistentes de fotografia Pedro Sá @ Lalaland Studios e Vicente Sottomayor
Retouching Tânia Castro @ Lalaland Studios
Produção Diogo Oliveira @ Lalaland Studios
Video Raul Sousa
Lugar LX Factory e Hipercentro
Texto Patrícia Domingues
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