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Entrevista por Isabel Abreu
Fotografia por Frederico Martins
Styling por Nelly Gonçalves
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Cruzaram-se pela primeira vez há 20 anos e ficou-lhes um gostinho a doce uma pela outra. São atrizes mas nunca se cruzaram em set. Encontram-se num entendimento óbvio mas não são melhores amigas. Quando perguntámos a Margarida um nome para conduzir esta conversa o de Isabel chegou certeiro. “Mais do que uma pessoa que goste de mim, quero é falar com uma pessoa de quem eu goste.”
IA - Curiosamente nunca trabalhámos juntas, mas acho que há vários pontos deste enredo que tem a ver com as viagens, com a necessidade de fuga, com a necessidade de partir, com estas questões da amizade, questões da comida, a forma como vês o trabalho e como vês o mundo. E eu não faço ideia, ou seja, sei de coisas que me foram ditas sobre ti, mas não faço a mínima ideia por exemplo quando é que foi o teu primeiro contacto com a Arte, com a Cultura, quando é que tu decides que é realmente o caminho que queres seguir.
MVN - Eu cresci um bocadinho rodeada de artistas, não me lembro do momento em que quis ser atriz. Não sei qual foi o dia, aquele em que tu acordas de manhã em que tu queres ser algo. É uma memória que tenho desde pequenina, mas mais do que ser atriz eu queria fazer projetos. Queria criar. Acho que atualmente estou mais a ir ao encontro dessa vontade de criança. É uma ideia de fazer, de construir, de produzir. Eu sempre gostei desta ideia de juntar pessoas, sejam elas de áreas diferentes, pessoas de quem eu goste, que admiro, que respeito. As relações humanas, o amor, a amizade, o respeito, a admiração levam-nos sempre a caminhos na criação, na construção, mais bonitos. Tenho sempre muito pudor quando me perguntam há quanto tempo é que comecei; eu nunca sei dizer uma data, nem me interessa os anos que eu tenho, porque já não tenho necessidade de provar a mim nem aos outros. Não acho que seja uma coisa de contabilidade. Tenho muito pudor da palavra carreira. Acho que isso não se aplica, acho que é um percurso que estou a fazer e que pode acabar amanhã. Amanhã posso desistir e tentar outro, e depois posso voltar outra vez. Mas lembro-me da primeira vez que estive num set de filmagens, tinha 6 anos. Lembro-me porque havia uma cena de tiros e a maior memória que tenho é o silêncio. Lembro-me de ficar com um grito preso na garganta porque sabia que não podia gritar, que não podia estragar a cena, e lembro-me desse grito como se fosse ontem. E de ninguém atravessar a calha, lembro-me que foi aí que aprendi que nunca se atravessava uma calha de cinema onde corre o charriot, onde corre a câmara. São coisas que aprendi e que me fizeram ter tanto respeito por isto. Em relação ao papel não sei o que é que fazia, não tinha qualquer relevância para a história, foi só o primeiro contacto que eu tive. Depois as coisas foram acontecendo. A minha mãe era diretora de cena, portanto, eu passava muitas horas nos bastidores.
IA - É curioso isso que tu falas sobre o silêncio e do grito que fica preso, porque vem exatamente da falha. Ou seja, o tempo em que nós sabíamos que não podíamos filmar 30 takes. A importância de montar aquela calha era essa, para que não haja o mínimo de possibilidade de falha. Saber que o grito fica preso porque se o meu grito se solta de repente eu posso estragar e é uma falha… Como é que tu lidas com a falha?
MVN - Eu já fui muito polícia de mim. Para mim o falhar era uma coisa terrível. Vivia com a culpa, com a falha, eu queria fazer bem, eu queria fazer correto.
IA - Mas por ti ou pelo outro? Ou seja, esse momento de falha vem de…
MVN - Eu acho que era do outro. E de ser avaliada pelo outro. O que me custava ir a uma audição, a um casting. O que me custava saber que alguém estava na plateia, e eu sem saber quem lá estava. A ideia de falhar aos olhos do outro. Quando eu percebi que o erro era o meu maior amigo, quando resolvi desbloquear esse problema percebi que através do erro me conseguia reinventar, conseguia encontrar um lugar, mesmo no desconforto. Era justamente a falha que me podia levar a um lugar melhor. Acho que só resolvi isso tardiamente porque não se aplica só a trabalho, mas na vida. E acho que quando eu percebi que uma pessoa quer ser tão boa mãe e tão boa mulher e tão boa filha e tão boa, tão boa… Ficamos aqui numa coisa de não falhar que, de certa forma, leva a uma anulação. Não há uma disponibilidade para encontrar a verdade dentro de nós. O fazer bem, o fazer certinho - e aplico isto não só ao trabalho, mas também à vida - não nos leva a um lugar mais feliz. E quando eu percebi que podia falhar, e que os humanos falham, isso foi um alívio tão grande que acho que me levou a encontrar-me como atriz, através do erro a encontrar caminhos mais interessantes, permitindo-me a errar. Quando eu percebi que eu também podia falhar, eu também podia errar, que eu também podia chorar, que as coisas podiam correr mal e que isso não fazia de mim mais fraca. Fazia de mim humana - aí foi um alívio na minha vida. Acho que sou mais feliz agora. Eu sou uma pessoa ansiosa naturalmente, mas acho que estou um bocadinho melhor. Estou menos angustiada, pelo menos. Eu tinha muita dificuldade, e tenho muita dificuldade, em viver o presente. Estou a pensar no futuro. Eu estou a ler um livro e começo a pensar que se calhar devia ir pôr o refogado ao lume porque os meninos vão chegar. Estou a falar do refogado, podia ser outra coisa. Estou sempre a antecipar um problema.
IA - Dentro dessa antecipação, não podemos estar a falar sem pensar no contexto atual, no que se está a passar: a Guerra da Ucrânia, já vamos em dois anos desta pandemia, somos mães… O que é que tu achas que é mesmo urgente e importante fazer e mudar a nível de mundo? E quando falo de mundo deixa-me esclarecer, porque falamos de mundo podemos pensar a nível global, e esse nível global impede-nos de ver as coisas particulares, que se passam só aqui e podem fazer toda a diferença.
MVN - Eu acredito que cada um tem um papel, uma missão, um sentido. Na sua vida, no nosso quintal, mas que se aplica a um lado mais global. O mundo não se constrói sozinho. Pegando na questão dos filhos, it takes a village to raise a child. Depois cada um no seu quintal fará a sua escolha. Como é que pode fazer o seu caminho dentro da sociedade, dentro da sua vila, dentro do seu país… Estes tempos muito acelerados, esta questão da imagem, todas estas plataformas, o Instagram, os estereótipos da Beleza que foram sendo lançados e promovidos, esta busca incessante de um Eu muito pequenino, em que não temos espaço para olhar para o outro. Não temos, quer dizer, a sociedade promove isso. E acho que temos de estar atentos, temos de olhar para o outro de igual para igual, mas sobretudo praticarmos no nosso dia a dia mais compaixão pelo outro, ter tolerância, respeito, empatia. Isto é uma questão que me assusta nas pequenas coisas, como dizias. É no trânsito quando há um peão que precisa de passar, é no supermercado numa fila para pagar, é quando entramos no elevador e não há um bom dia…
IA - E o que é que te tira realmente do sério?
MVN - A arrogância mexe muito comigo. Discursos autoritários, a sobranceria sobre o outro, o desrespeito. Não tenho mesmo paciência. Mas acho que hoje em dia também me protejo um bocado, antigamente fazia mais fretes. Hoje, se há um discurso, se há uma coisa que não me agrada, eu fujo dela.
IA - Foges ou questionas?
MVN - Questiono, mas não sei se parto para uma discussão. Já não sei se gasto a minha energia aí, a discutir.
IA - Escolhes as tuas discussões?
MVN - Escolho as minhas discussões. Escolho com quem posso discutir, porque eu acho que há pessoas que não estão prontas para a discussão, ou não estão preparadas ou não querem ouvir a discussão. Então, acho que é uma discussão vazia. Há pessoas que amo profundamente e temos pontos de vista diferentes, mas com as quais eu posso discutir. Pensamentos diferentes políticos, financeiros, entre a solidariedade e a caridade. E há outras que não estão abertas a uma discussão e com as quais eu sei que vai resultar numa frustração enorme para mim. Os pensamentos diferentes são importantes e a democracia é importante e o questionamento é importante. Sem questionamento ficamos muito formatados nas nossas grandes ideias e nos nossos grandes ideais e nunca vamos descobrir o mundo.
IA - Uma pergunta também política, que é uma questão que me tem atormentado bastante, principalmente quando vejo os nossos debates que são, muitas das vezes, discussões. E que, muitas das vezes, parecem não correr para este bem social, para chegar a esse fim coletivo que tu dizes, e que se torna completamente fechado em cores, em certezas absolutas… Como é que se consegue dar a volta a isso e mostrar que mais do que cores políticas, mais do que ideologias políticas, o que interessa é o bem social?
MVN - Não sei, ando à procura dessa resposta. Ando muito descontente com o panorama político atual e no outro dia quando pensei sobre isso, até foi a propósito de uma frase do Agostinho que estava a ler, e estava a pensar “faltam-nos os grandes pensadores, os grandes filósofos”. Temos os nossos tecnocratas muito conformados.
IA - Ou não.
MVN - Ou não! Com os diplomas mal acabados (risos).
Com os cursos de direito, com os cursos de gestão, mas depois há um lado de pensamento, de ideologia, de filosofia, que lhes falta. Falta essa representação. Falta-nos nessa discussão dentro do parlamento. Estão a defender o seu partido, a sua aldeia, não estão a defender o país, o qual votou o lugar onde eles estão sentados, que no final do mês lhes paga o salário para eles ali estarem a defender um interesse global e não o seu. Não encontro um partido com o qual me identifique hoje em dia. Posso encontrar e sigo alguns, sigo algumas ideias e defendo algumas ideias. Mas não sei qual é o caminho e é assustador não saber. Porque eu ainda não encontrei ninguém que me dissesse como lá chegar. Acho que é importante a discussão, o diálogo, a partilha de informação, mas não sei de onde. Quer dizer, parte de pessoas que têm algum dinamismo, sei lá, ainda ontem estava a ouvir a entrevista que a Sara Barros Leitão deu há precisamente um ano. Estava a ler entrevistas dela, às vezes gosto de reler umas coisas, e é engraçada a atualidade, o quão certeira ela é.
IA - Estamos a falar de uma mulher que tem um posicionamento muito forte.
MVN - Tem um posicionamento muito ativo, muito presente dentro da sociedade. E eu acho que são estas pessoas que são referências para nós, que são importantes e que fazem falta dentro da sociedade, na medida em que devem e é urgente que estejam em espaço de antena, seja ele qual for. Há pessoas que precisam desse espaço.
IA - Concordo exactamente com esse espaço. Estamos reféns de likes, de discursos populistas, de facilitismos, muitas vezes também dessas Belezas, desses estereótipos, dessa fuga às questões de envelhecimento, de não querer pensar, de uma ausência de pensamento. E faz-nos muita falta pensadores. O pensador vai trazer consigo uma discussão.
MVN - Nós vemos nos nossos jornais, invariavelmente começam e fecham com futebol, não que o desporto não tenha uma importância, mas resume-se muito ao futebol. Ao entretenimento. Ainda há dias ouvi uma expressão na rua que me deixou tão triste e que foi: ‘é um artista’. E artista era usado como um termo depreciativo. Como se os artistas fossem uns seres menores ou meio-malucos, não têm crédito, não sabem o que dizem, são uns tolos. E os artistas sempre foram, ou a História assim o diz, motores de discussão, de conflito, de trazer à cena as desigualdades salariais, as grandes questões até da sexualidade, da posição da mulher dentro da sociedade. Deixa-me triste, ainda que seja em tom de brincadeira, como há tantas piadas que ainda se usam no dia a dia e que têm uma conotação racista ou xenófoba. E eu lamento profundamente que os artistas não tenham espaço em Portugal e que não seja reconhecida a importância que eles têm no seu setor.
IA - Em relação à questão que deu arranque à nossa conversa, que é este contacto com a Arte, e que ela para ti está presente desde sempre. Eu não sei se tens memória da tertúlia, conversa, do perder tempo a discutir, de ouvir os mais velhos, de ouvir o pensamento que é criado. Porque embora tu sejas nova, nós ainda somos do tempo em que a televisão não ocupava o lugar que ocupa hoje em dia, em que as redes sociais muito menos.
MVN - Não havia. Eu não cresci com o telemóvel.
IA - Havia um telefone fixo, tu comunicavas através de cartas, e isto não foi assim há tanto tempo.
MVN - Não.
IA - E havia esta questão do encontro. Eu posso estar muito enganada, mas eu acho que tu tens em ti muito de encontro. Muito da importância dos amigos e das amigas, muito da importância - que é das coisas mais belas que existe no mundo - que é estar à volta de uma mesa.
MVN - Não há nada que me deixe mais feliz do que estar à volta de uma mesa. E promovo isso muito na minha vida. Temos um grupo de amigas que já nos conhecemos há anos, já casámos, já divorciámos, já viajámos, já fomos embora, já partimos, já regressámos. Já nos zangámos umas com as outras, já nos deixámos de falar e já nos voltamos a reconciliar anos depois. Mas todas somos capazes de nos sentar à mesa a falar sobre tudo. E é engraçado entre mulheres porque nós rimos, nós choramos, nós encontramos a empatia das dores e dos sucessos umas das outras, vibramos umas com as outras, mas não há nada que me dê mais prazer do que estar à volta de uma mesa. Antigamente eu era a mais nova, só agora passei a ser a crescida. Eu cresci no meio dos adultos, eu tinha muita pressa de crescer. Queria crescer porque eu queria pagar as minhas contas, queria ter a minha casa, eu queria ter responsabilidades… Eu hoje fujo das responsabilidades. É uma chatice a vida de crescida, pagar contas, fazer listas, o IRS, o IMI, o IMT e por aí fora. A Burocracia, eu odeio. A água, a luz, as inscrições, as matrículas dos miúdos. Eu acho que é uma seca a vida de crescida! Porque eu, na verdade, acho que continuo a ser uma miúda. Quando ponho uns saltos altos acho que estou a vestir uma personagem qualquer e a brincar às crescidas. Às vezes quando arranjo o cabelo porque tenho uma coisa qualquer, penso “já posso ir buscar os rapazes à escola, já não passo vergonhas”. (risos)
Mas pronto esta pressa de crescer, acho que vem de ter crescido entre adultos. Eu não fui muito criança, comecei a trabalhar muito miúda. Acho que houve um lado que eu perdi da minha infância e da minha juventude, e que gostava de ter tido.
IA - Qual?
MVN - Aquelas tardes no café. Porque eu ia para os ensaios, ou ia gravar, e não ficava no café. Os primeiros cigarros atrás do liceu. Aqueles disparates que se fazem na adolescência. Eu trabalhava ao sábado de manhã, não havia serão à sexta-feira à noite. Nas férias grandes iam para aqui e para ali. Há uma parte da minha adolescência, pelos 15/16 anos, que eu saltei porque aceitei responsabilidades e aos 18 foi uma opção minha viver sozinha. Olha o disparate, podia ter ficado em casa da minha mãe sossegada.
Acho que essa coisa da responsabilidade foi muito libertadora quando eu agora já tenho a responsabilidade, mas convivo com ela, já somos amigas. Antes a responsabilidade aplicava-se ao trabalho, porque depois como cresci no meio destas pessoas - a Teresa Roby, a Lia Gama, o Fernando Heitor, eram referências para mim.
IA - São tudo referências de grandes pensadores.
MVN - Sim, por isso eu acho que esta coisa que eu tive em relação ao outro que eu tive durante muito tempo, do julgamento do outro sobre mim, eu acho que vem de ter crescido com pessoas por quem eu tinha um respeito tão grande, era uma coisa que não dava para estar a brincar às atrizes ao pé deles.
IA - Sentes que foi um privilégio?
MVN - Foi um privilégio, mesmo. Lembro-me por exemplo que aos 15 ou 16 anos li o Al Berto e só nessa altura é que eu percebi que havia uma questão com a homossexualidade. Porque dentro do grupo de amigos com quem eu tinha crescido, os amigos dos meus pais, havia muitos homossexuais. Eu nunca me tinha dado conta que a homossexualidade entre homens ou mulheres era uma questão dentro da sociedade. Vivia num mundo, de facto, muito empático. Eram todos solidários uns com os outros. No outro dia estava até a ouvir o Nuno Lopes numa conferência em dizia que gostava muito de trabalhar em Portugal porque sentia que nós éramos uma equipa muito unida, éramos mais disponíveis. E ele dizia que apontava isso como uma consequência, uma grande qualidade, mas uma consequência do facto de sermos pobrezinhos e de tudo ser feito com grande espírito de sobrevivência, de não termos cá grandes privilégios, estatutos e caravanas à porta. Estamos todos de igual para igual. Todos ao mesmo nível.
IA - Sabemos o que custa fazer o percurso. E queremos muito fazer.
MVN - Queremos muito porque não temos oportunidades por aí além. Eu acho que cresci nesse meio em que todos eram muito assim. A minha mãe ia trabalhar e levava-me atrás, eu não era um empecilho. Era assim porque ela era mulher, tinha de trabalhar e não tinha dinheiro para babysitters. Ficava ali no camarim, numa caminha a dormir, ia para o plateau, ficava lá caladinha. Por acaso com os meus filhos faço exatamente o contrário. Agora no confinamento eu senti muito isso, que ficámos sozinhos, foi um processo muito solitário, de uma grande solidão. E a propósito desta questão das amizades de que tu estavas a falar, e que para mim é tão importante, eu acho que de repente há uma urgência em mim muito grande em voltar a juntar as pessoas, em estarmos todos juntos, voltar a processos coletivos, quer de construção de textos, de espetáculos, de filmes, de programas com os miúdos.
IA - O teatro não tem muito esse distanciamento felizmente. A não ser que seja um monólogo e, ainda assim, acho que não tem distanciamento porque tem todos os técnicos, tem todas as pessoas que estão à volta, tem o público, tem o que acontece. E depois existe o outro trabalho que tu agora começas a cavar mais que é o teu empenho todo como realizadora.
MVN - Começo a descobrir que eu não sofro. Sabes que para aí há dois dias, tive um pesadelo em que estava a representar e que eu não sabia bem o texto, não sabia bem a personagem, não estava suficientemente preparada. Acordei com uma angústia e pensei ‘por que raio é que isto me continua a angustiar’, esta profissão que é a coisa que eu mais gosto e que eu escolhi. E eu descobri que a realizar eu não sofro. Estive um bocadinho insegura antes de começar, aquelas inseguranças normais, também a abordar a história e é verdade é que é uma história que me é muito próxima e, portanto, ao mesmo tempo estava muito segura das palavras que estavam ali escritas e qual era a intenção que estava por trás de cada uma. Mas eu descobri que não sofro a realizar e tem a ver justamente com esse processo do trabalho de equipa, em que tu dizes uma coisa e vem o figurinista ou vem o diretor de fotografia ou vem a maquilhadora e essas pessoas acrescentam camadas ao teu pensamento. As tuas ideias vão sendo cada vez melhores, não estás sozinha. A ideia de estarem todos a trabalhar para a ideia que eu um dia tive, todos a querer contar a minha história. Eu achei isto tão comovente, todos os dias acordava tão feliz, tão feliz. Foi a altura mais feliz dos últimos anos da minha vida.
IA - Que lindo.
MVN - Foi assim mesmo incrível. Eu andava assim saltitante, com um sorriso. Eu nunca consigo descansar enquanto atriz, nunca dou por terminado o processo, ou ciclo. É engraçado que eu passei a minha vida toda a tomar decisões em função dos outros e das escolhas dos outros, a servir os outros. Quando eu ia trabalhar, eu ia estudar primeiro o realizador e o encenador, o que é que eles tinham feito, os filmes deles, o que é que eles tinham escrito, o que é que eles tinham dito. Não era para ser amiga deles, isso vem por acréscimo. O que eu queria era perceber a cabeça deles, o que é que eles querem discutir, o que é que eles querem trazer à cena, a abordagem deles. Eu estava sempre a servir alguém, o propósito de alguém, o texto de alguém, na minha vida pessoal, os filhos, a família, os amigos. Eu sou essa pessoa e, de repente, tinha uma equipa inteira a fazer o meu filme. Eu é que tomava as decisões. Senti-me assim: emancipei-me.
IA - É a tua própria cabeça!
MVN - Sim, é a minha cabeça a pensar. Estou a tomar decisões, do género: ‘Margarida, queres ir a jarra para a direita ou para a esquerda?’ E eu posso decidir isto. Eu quero a jarra para a esquerda. Eu quero a jarra para a direita. E esta oportunidade de ter filmado trouxe-me para esse lugar, de tomada de decisão, de fazer a escolha e de me sentir confiante e segura com ela. Foi muito comovente e uma descoberta pessoal e profissional ao mesmo tempo. Descobri que há um lugar onde eu sou feliz e ao qual eu gostava de voltar.
IA - Comovente. O que é que te comove no ator e na atriz quando vês?
MVN - Não sei, ando à procura dessa resposta. Ando muito descontente com o panorama político atual e no outro dia quando pensei sobre isso, até foi a propósito de uma frase do Agostinho que estava a ler, e estava a pensar “faltam-nos os grandes pensadores, os grandes filósofos”. Temos os nossos tecnocratas muito conformados.
IA - Comovente. O que é que te comove no ator e na atriz quando vês?
MVN - A beleza comove-me muito. Quando eu digo a beleza, falo da beleza das palavras; a delicadeza, a subtileza, a felicidade. Eu, por exemplo, comovo-me muito com os aplausos. Não estou a falar dos aplausos para mim, estou a falar enquanto público e espectadora. Comove-me o silêncio antes do espetáculo começar, aquele momento às escuras. Quando oiço as primeiras palavras. Comove-me ver um ator nas suas subtilezas, nas suas escolhas, quando o vejo a pensar. A forma como se expõe.
IA - E quando estavas atrás da câmara, o que é que te comovia quando olhavas para os atores e atrizes? Para além de toda a generosidade de embarcarem na tua história.
MVN - A generosidade, sim. Quando via o meu nome na claquete, todos os dias me surpreendia… Sou eu! E depois acho que é de uma grande generosidade ter a Marisa Cruz, o Adriano Luz, pessoas por quem tenho admiração e respeito. Quando os vejo a brincar, quando eles já fizeram uma take e vão a uma segunda por vontade deles, ou porque alguma coisa tecnicamente não tenha corrido bem, e os vejo a experimentar coisas diferentes, e vejo a cabeça deles a pensar. Vejo esse momento de entrega. Comoveu-me muito saber o lugar onde eles estão porque, de repente, percebi o lugar do ator atrás da câmara. No monitor eu consegui ver, por exemplo, a insegurança de um ator no arranque da cena. Às vezes não estamos confortáveis por alguma razão, são inseguranças naturais da primeira take.
IA - E isso ajudou-te a dirigir?
MVN - Isso ajudou-me a dirigir, sim. Ajudou-me imenso a perceber o lugar em que eu estou, em que o ator está, quando estive atrás de um monitor. Ah, então é isto.
IA- Mas então é bonito a falha?
MVN - É muito bonito ver a falha do ator. Não queria dizer falha, mas…
IA - Certo, mas o meu olhar não é errado.
MVN - Se partirmos desse princípio, sim. Foi tão bonito ver, no caso uma colega, insegura e eu perceber aquele momento e dizer: vamos para mais um ensaio. E depois daquele ensaio foi melhor. A seguir, fomos melhor a filmar. Percebi com isto que é só isto que nos acontece. É uma falha. Ou não.
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É o cenário de um sono profundo feito a pedra e cal, mas nem a história de mais de um século do Monte do Ramalho é suficiente para embalar todas as histórias que por lá habitam. Inicialmente fundada como casa agrícola, esta tradicional quinta alentejana rodeia-se da mais pura paisagem que nos recebe com espaço de sobra e de forma tranquila e acolhedora. Um lugar onde nos é ainda possível fazer o impossível: esquecer de tudo e começar do zero.
O Monte do Ramalho é uma encantadora herdade tipicamente alentejana com mais de um século de história. Outrora uma casa agrícola, hoje é um caso de sucesso. Mas vamos voltar ao início. Como tudo começou? Como se tornou uma das responsáveis pelo Monte do Ramalho?
Manuela Estevinha: Sou sócia e faço um bocadinho de tudo. O Monte começou por ser um projeto familiar e eu só o descobri em 2011. Calhou-me vir cá e achei o espaço tão giro – eu morava, moro a 10 minutos daqui e não conhecia sequer o espaço. Na altura o Monte tinha uns caseiros e o proprietário vinha só de vez em quando. E eu pensei ‘como é que isto é tão giro e está fechado? ‘ O proprietário tinha a ideia de transformá-lo num turismo rural, mas ele estava em Lisboa e faltava-lhe a pessoa certa. Foi um bocadinho juntar o útil ao agradável.
Estou a deixar de ouvir, não sei, está com pouca rede.
No Monte há muito pouca rede. (risos)Bom comecei a tratar do licenciamento, era tudo anterior a 1950 e não existia nada de legalizações, plantas, nada. E foi um processo longo, cerca de dois anos, para conseguir tudo apto para nos transformar no fundo, naquilo que já era. Começámos a fazer eventos e foi a partir de 2009 que agarrei no projeto a tempo inteiro.
Já tinha pensado neste tipo de projetos ou foi uma mera coincidência?
Uma mera coincidência. Estudei turismo, Lazer e Património na Universidade de Coimbra, mas avancei porque achei o espaço fantástico, com enorme potencial, apaixonei-me. Entretanto foi vendido e deixou de ser um projeto familiar mas tudo foi mantido – todas as obras que foram feitas foram só no sentido de melhorar aquilo que já existia, mantendo todas as traças e aumentando o conforto para as pessoas. Acabamos por enveredar pelo ramo dos eventos, não que tivéssemos sido procurados mas porque fomos encontrado. Começou com turismo rural mas o mercado ditou que nos focássemos mais nos eventos. Cuido disto como se isto fosse meu.
Quais são os eventos mais frequentes?
Organizamos casamentos todos os fins de semana. Outras festas temáticas também.
Porque é que acha que as pessoas acham o espaço atraente para casamentos?
É um espaço com características distintas porque não é um espaço típico que foi construído para eventos, já existia assim. Depois tem o facto de ter celeiros antigos que antigamente serviam para armazenar cereais, ou seja, que estavam estritamente dedicados à parte agrícola e que hoje em dia foram aproveitados para os nossos eventos. Também só fazemos eventos em exclusividade, o que permite aos convidados juntar a família, os amigos mais próximos.
Há alguma parte da história da herdade que seja romântica ou algum facto interessante relacionado com isso?
Nós temos uma capela autorizada para eventos religiosos, o que faz com que quem queira casar de forma tradicional e com celebração religiosa o possa fazer também no nosso espaço, sem ter que ir para uma igreja aqui nas proximidades. Aqui é possível celebrar o casamento dentro ou fora da nossa capela, ao ar livre e, portanto, com características distintas. Eu acho que isso o torna romântico.
Diz que que de certa forma acabou por se apaixonar pelo espaço. O que é que a cativou no Monte do Ramalho?
Eu penso que é a grandiosidade do espaço, que é aquilo que também normalmente cativa as pessoas quando cá chegam. Não é possível mostrar o quão grandioso o espaço é através de imagens. Permite ter ambientes diferentes e fazer várias coisas utilizando o mesmo espaço. Ou seja, não há dois eventos iguais.
Outra das coisas que li muito nas reviews online e, que é o vosso próprio slogan, está relacionado com o silêncio, com o facto de ser algo muito calmo.
Sim, tirando quando existem os trabalhos agrícolas, que é normalmente em fim de Outubro, Novembro e até meio de Dezembro, mas mesmo assim o espaço é tão grande que se ouve pouco. O facto de a estrada estar a 2 km do mMonte permite estar em silencio, a ouvir o som da natureza. Vento nas árvores, pássaros, os nossos animais.
Como fazem a gestão de manter características antigas com a modernização do espaço?
Tentamos escolher peças rusticas e integrá-las, reaproveitando algumas que já existiam, dando-lhes novos usos ou procurando elementos rústicos que se enquadrem. Mantemos a traça do que cá estava sempre que fazemos obras.
Há muitos elementos originais?
Muitos. Uma das características mais curiosa são as portas das casinhas que têm mais de 100 anos e acompanham a história do edifício.
O que realça da historia do Monte?
Alecrim, Esteva e Giesta, as nossas três casinhas, estão ligadas à história mais recente da família. Eram 3 irmãos e é por isso que há 3 casinhas, para cada um dos filhos. E cá em baixo a casa-mãe, Rosmaninho, que era a casa da mãe. Antes de se tornar um negócio o Monte do Ramalho era um alojamento de férias da família. E acabamos por trabalhar também com muitas famílias, que são o nosso público alvo. O nosso conceito são casinhas alentejanas equipadas – regressar ao passado com modernidade. Todas têm aquelas lareiras em que nos enfiamos lá dentro e que estavam nas casas dos nossos avós. Cada uma das casas derivado do tamanho da família na altura e por isso têm tipologias diferentes, t1, t2 e t3.
Diria que têm todas personalidades diferentes? Como apresenta cada uma?
São todas diferentes, ou em termos de cor ou decoração. De base utilizamos todas as peças encontradas no Monte e complementamos com outras mais modernas. A Giesta é a nossa casinha mais romântica, porque na base na cabeceira da cama tem corações e é habitualmente a nossa casa de noivos. A Alecrim é para alguém que procure ler e estar em sossego, é a mais iluminada. A Esteva está no meio das duas, porque tudo é uma fachada única, é a nossa casinha maior e é aquela de base mais escura mas que tem uma varanda privada em que é possível ver o por do sol do outro lado do edifício.
Equipa
Cabelos Rui Rocha
Maquilhagem Elodie Fiuza
Assistente de fotografia Pedro Sá @ Lalaland Studios
Assistente de styling Maria Sampaio
Retouching José Paulo Reis @ Lalaland Studios
Video Raul Sousa
Coordenação de location Snowberry
Produção Diogo Oliveira @ Lalaland Studios
Lugar Monte do Ramalho
Texto Patrícia Domingues
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